Folha de S. Paulo


Morador pobre de bairro rico vai até a favela para fazer compras

A dona de casa Quitéria da Silva, 50, mora em um dúplex em uma das esquinas mais caras de São Paulo, entre as avenidas Luís Carlos Berrini e Jornalista Roberto Marinho. Mas, para fazer a compra do mês, precisa percorrer 4,5 km até a favela de Paraisópolis.

"Não dá para comprar nada nos mercados da Berrini. São muito caros", diz, na sala de seu apartamento no Jardim Edite, condomínio da Cohab com 252 famílias no Brooklin (zona sul).

Conjuntos habitacionais como o dela, localizados em bairros ricos, serão cada vez mais comuns em São Paulo se as regras do Plano Diretor, aprovado em 2014, sobreviverem ao lobby contrário na Câmara Municipal.

O plano, que traça diretrizes para o crescimento da cidade, prevê um aumento de 8% das áreas que podem receber moradia popular –as chamadas Zeis (zonas especiais de interesse social). Muitas delas estão em bairros de classe média ou alta, como Itaim Bibi, Mooca e Vila Madalena. (Veja no mapa abaixo onde estão previstas as Zeis)

Com a discussão da lei de zoneamento na Câmara Municipal, o tema voltou à tona. Associações de moradores de áreas nobres, como Vila Leopoldina e Tatuapé, tentam barrar Zeis nas suas vizinhanças, sob o argumento de que conjuntos sociais desvalorizam os imóveis.

No Brooklin e no Real Parque (zona sul), onde já existe moradia popular, isso não aconteceu. Para os moradores dos conjuntos populares nesses bairros de elite, o problema é outro.

"Um mercado me cobrou R$ 1,50 no tomate", diz o aposentado José Santana, 72, que vive com um salário mínimo, no Jardim Edite. Para fazer compras, ele tem que pegar um ônibus até Santo Amaro (zona sul).

Clique na infografia: Zeis de São Paulo

No Real Parque, o conjunto habitacional fica a menos de cem metros de torres de alto padrão. Há um mercadinho frequentado pelos moradores da Cohab, mas as lojas maiores ficam para os prédios com piscina.

"Não tem marca popular nos mercados deles", diz a manicure Francisca do Nascimento, 53. Ela reclama da padaria que vende o quilo do pão por R$ 14,50. "Não consigo comer nada lá."

Para Bruno Miragaia, defensor público que atua na área de habitação desde 2007, a construção de moradia popular em áreas nobres aproxima as pessoas do trabalho e reduz a segregação social entre bairros ricos e pobres.

Por outro lado, diz, um dos principais empecilhos para que o plano dê certo são o comércio e os serviços locais "totalmente direcionados para a classe alta". Por isso, para ele, no futuro, a classe média vai "comprar" condomínios bem localizados, como os do Jardim Edite e do Real Parque.

Já a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) argumenta que o custo de vida nesses locais pode ser compensado com um menor gasto dos moradores com transporte, já que eles ficam mais perto do centro.

SAGRADA MORADIA

No Brooklin, a dona de casa Quitéria reconhece o transtorno do "custo Berrini", que a faz buscar arroz e feijão em Paraisópolis. Mas não pensa em deixar seus 50 m² na região. "Rezo todos os dias para agradecer", diz.

Pelo dúplex na Berrini, paga R$ 120 por mês e mais R$ 90 de condomínio, menos de metade da diária mais barata do hotel Grand Hyatt, a menos de 500 metros dali.

Editoria de Arte/Folhapress
EM ÁREAS NOBRESExemplos de Zeis previstos na proposta de lei de zoneamento em discussão na Câmara
Exemplos de Zeis previstos na proposta de lei de zoneamento em discussão na Câmara

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