Folha de S. Paulo


Segurança atrai moradores de rua à Paulista; via ganha colchões e barracas

Avener Prado/Folhapress
Grupo de jovens que vivem juntos em frente a lanchonete em calçada da avenida Paulista
Grupo de jovens que vivem juntos em frente a lanchonete em calçada da avenida Paulista

Com os braços ao redor da cintura de Isabel, Leke cruza a avenida Paulista. Locão, Iago e Aline seguem ao lado. Entre um empurrão, uma risada e um pé de chinelo solto que fica para trás, interrompem a marcha para abordar algum pedestre. Param, ouvem um "não", correm para alcançar o casal.

Não há relação de parentesco entre os cinco, mas são uma "família". Cada um é responsável por si e pelo outro. Há um mês vivem assim.

O endereço é novo: calçada na esquina da Paulista com a rua Joaquim Eugênio de Lima, em frente a um McDonald's, ao lado de uma banca de jornal. Colchão, cobertas, papelão e poucas mudas de roupa têm nome: "maloca da humildade", diz Locão, aos risos.

A praça da Sé não teve como competir com a praticidade e a segurança da Paulista. Na cidade que tem 15 mil moradores de rua, segundo censo recente, a avenida tem recebido cada vez mais deles. Muitos trazem consigo barracas, colchões e carrinhos de supermercado.

"Aqui não tem arrastão, é fácil conseguir comida e não dá problema", diz Leke. "Quer dizer, às vezes, com o rapa..."

Três pedaços de papelão garantem as refeições coletivas. Neles, pode-se ler: "ajuda no café", "ajuda com o almoço" e "ajuda com a janta". "Não tem erro", diz Isabel.

Locão, 19, Leke, 20, e ela, 20, são os "de maior" —responsáveis por manter na linha os dois menores.

O passado comum também une o grupo: roubos, famílias desestruturadas, brigas, abrigos, tíner (solvente) e Fundação Casa –uma, duas vezes.

"Por que parei [de roubar]? Não queria voltar para a Febem, e por causa dela", diz Leke, apontando para Isabel.

Falta-lhe um dos dentes da frente –o que não o impede de abrir um sorriso quando fala da garota. "A gente se conheceu num abrigo. Agora não tem jeito de 'nóis' se desgrudar, não."

Da Paulista também não. "Já me levaram documento, roupa, mas daqui 'nóis' não vai sair. Se sair é para ir para a outra esquina", diz Leke. Ele afirma que a falta de privacidade não é um problema.

De madrugada, explica, escapam para baixo de uma marquise "para namorar".

CAMELÔS

Além de moradores de rua, outro grupo cada vez mais presente na avenida Paulista é o de camelôs.

Desde que a prefeitura regulamentou, no ano passado, a lei que permite aos artistas de rua fazer apresentações nas vias, os ambulantes se aproveitaram da brecha –que dá aos artesãos um status semelhante.

Muito do que se vende por ali, na verdade, são produtos industrializados e até mesmo pirateados. Além dos camelôs "tradicionais", em quase todos os quarteirões há pelo menos um pano preto com as mercadorias hippies.

Em alguns casos, quase metade da largura da calçada é obstruída. Em outros, os paraciclos –estruturas para estacionamento de bicicleta– viram suporte para os mostruários.

Isabel, Leke, Locão, Iago e Aline pouco sabem sobre isso. Raramente passam pelo quarteirão do prédio da Gazeta, perto dali. "Não gosto de andar muito para lá", diz Locão. "Se tenho que sair daqui, pego um ônibus, vou até a Luz e tomo banho."

Às vezes, nem precisa sair mesmo. Passa das 23h, quando outra moradora de rua vem até o grupo. "Empresta a placa do jantar?". Vinte minutos depois ela volta com um pacote de batatas fritas do McDonald's nas mãos. "Ó, sobrou esse aqui."

BARRACAS

Prefeitura de São Paulo afirma que poucos moradores de rua aceitam ir para albergues e que admite a permanência de barracas à noite na calçada da avenida Paulista por "questões humanitárias".

De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, é feito um trabalho de identificação, aproximação e acompanhamento da população de rua.

Como é voluntária a decisão de sair da rua, a pasta admite que é baixo o índice dos que querem ir para algum dos 72 centros de acolhida, que têm 10 mil vagas.

A GCM (Guarda Civil Metropolitana) e agentes das subprefeituras afirmam que recolhem objetos que os moradores de rua deixam sobre as calçadas, como colchões e sofás. Segundo a prefeitura, são realizadas oito limpezas diárias na avenida Paulista.

"Com relação a colocação de barracas, no período diurno, as pessoas são orientadas a desmontar. No período noturno, por questões humanitárias, a prefeitura permite que se abriguem, especialmente no período de inverno", afirma a gestão Haddad (PT).

Sobre o comércio irregular, a administração diz que regulamentou uma lei no ano passado justamente para "coibir comerciantes ilegais que se utilizavam da lei para vender produtos de contrabando como se fossem artesãos".

Para os artesãos de verdade, a Subprefeitura da Sé publicou regra que delimita 50 espaços na via onde eles podem trabalhar.

"As equipes de apreensão da subprefeitura atuam nestas áreas diariamente verificando se os artesãos são cadastrados na Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades e se os espaços ocupados estão de acordo com a portaria", afirma o município, em nota.

A operação delegada ("bico oficial" feito por policiais militares) é a responsável por coibir o comércio ilegal.

A PM afirma que, como se trata de uma escala voluntária, nem todas as vagas para o patrulhamento são preenchidas.

"Os ambulantes, ao visualizarem a equipe policial, recolhem seus materiais e se camuflam em meio aos transeuntes, o que demonstra que, nesses casos, ainda que não haja a efetiva apreensão dos produtos ilícitos, está sendo realizada a prevenção", afirma a polícia.

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AVENIDA PAULISTA
Conheça momentos históricos

8.dez.1891
Avenida é inaugurada sem nenhuma construção, apenas com terrenos demarcados.

1895
É construída a primeira mansão, denominada Von Büllow, pelo arquiteto Augusto Fried.

Década de 1930
Bondes elétricos passam a circular na via.

1935
Elite constrói casarões. No boulevard Trianon, onde hoje é o Masp, aconteciam bailes.

1955
Começa a ser construído o Conjunto Nacional. A data é marcada pela construção de prédios.

1970
Casarões da avenida são destruídos para a construção de prédios e o alagamento da via.

2011
Avenida perde empresas para a região do rio Pinheiros.

2013
Via recebe protestos contra o aumento da tarifa de ônibus.

2015
Crise, trânsito e protestos acentuam o esvaziamento de escritórios da avenida, que também recebe mais moradores de rua e camelôs.


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