Folha de S. Paulo


Comunidade premiada é desalojada para abrigar Vila Olímpica no Rio

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"Bem-vindos à comunidade que venceu o prêmio internacional de urbanismo". A frase, pichada no muro de uma casa que não existe mais, recebe moradores, visitantes e operários que chegam à Vila Autódromo (zona oeste do Rio) por um caminho repleto de sinais de obra.

O anúncio faz referência ao Urban Age Award, concedido pelo Deutsche Bank à comunidade em 2013 pelo Plano Popular da Vila Autódromo.

O projeto, criado junto a arquitetos e urbanistas da UFF (Universidade Federal Fluminense) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), propunha que o Parque Olímpico, empreendimento de 1 milhão de m², convivesse com uma vila urbanizada. O plano, porém, não foi aceito pela prefeitura.

Segundo o município, a retirada de 466 dos 750 imóveis da vila é necessária para abrir acessos ao complexo, a partir da duplicação das avenidas Embaixador Abelardo Bueno e Salvador Allende.. No dia 3 de junho, a tentativa de remoção de uma família acabou em confronto com a guarda municipal, deixando sete moradores feridos.

Um dos urbanistas do Plano Popular, Carlos Vainer diz que estudos comprovaram que os acessos poderiam coexistir com a comunidade. Alex Costa, subprefeito da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá, discorda: "Precisamos ligar o Parque Olímpico com o mundo. Essas pessoas tinham que sair." Ele diz ainda que a presença de moradores perto da lagoa de Jacarepaguá fere leis de proteção ambiental.

"Vai fazer 22 anos que estou aqui, e todo ano dizem que vão tirar essa comunidade", conta a dona de casa Maria da Penha Macena, 50, que teve o nariz quebrado por um golpe de cassetete no dia 3.

ORIGEM

Criada por pescadores na década de 1960, a Vila Autódromo atraiu moradores pela segurança e boa localização. O governo do Estado assentou ali famílias de outros lugares, como a favela Cardoso Fontes, em Jacarepaguá.

Nos anos 1990, o então governador Leonel Brizola deu aos moradores a concessão de uso dos imóveis. Em 1998, Marcello Allencar renovou esse direito por 99 anos."Achei que poderia viver em paz e comprei um pedacinho. Não ocupei, não ganhei: comprei", diz Jane Nascimento, 58, moradora da vila há 13 anos.

Para o subprefeito Alex Costa, os títulos foram dados pelo Estado "de forma politiqueira" e não são legítimos. Ele diz que as pessoas "foram enganadas ou se deixaram ser enganadas". "Ninguém é bobo ou ingênuo de achar que é dono de uma área na beira de uma lagoa", afirma.

Procurado, o governo estadual disse aguardar decisão judicial e não comentou as declarações do subprefeito.

A defensora pública Maria Lúcia Pontes diz que a prefeitura não pode revogar um título dado pelo Estado. A defensoria tenta impedir na Justiça que moradores com título de posse sejam removidos.

Segundo a prefeitura, até maio, a remoção custou R$ 96 milhões, com 332 famílias indenizadas. Outras 376 foram para o Parque Carioca, conjunto do Minha Casa Minha Vida com 900 apartamentos de 43 m² a 60 m², a cerca de 1 km da Vila Autódromo.

Mas o destino das cerca de 160 famílias que permanecem na vila após três decretos de remoção ainda é incerto. Algumas se recusam a sair.

O presidente da associação de moradores, Altair Guimarães, 61, que já passou por outras duas remoções no Rio, acha que a Vila Autódromo acabará vítima do que a prefeitura considera progresso. "Só não concordo que o progresso sempre bate na minha porta e sempre me remove."

LAURA LEWER fez o Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado por Friboi, Odebrecht e Philip Morris Brasil. Ela viajou com o apoio da Associação Brasileira das Empresas Aéreas.


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