Folha de S. Paulo


Ciclovia provoca revolta, e prefeito é cassado no RS

As ciclovias dividem opiniões, e não apenas em São Paulo. A insatisfação na cidade gaúcha de Montenegro (a 44 km de Porto Alegre) com uma faixa de 1,5 km exclusiva para ciclistas foi tão grande que culminou no impeachment do prefeito.

Na capital paulista, já são mais de 200 km de ciclovias inauguradas na gestão Haddad (PT). A maioria dos paulistanos (66%, segundo o Datafolha) aprova dividir o trânsito com as bicicletas –mas esse número já foi de 80%.

Em Montenegro, os vereadores votaram em maio pela cassação do mandato de Paulo Azeredo (PDT). O pedido foi protocolado por um líder comunitário da cidade e aceito na Câmara por oito votos a favor e dois contra.

A ciclovia foi construída em janeiro deste ano, em três dias, e custou R$ 80 mil. Na última semana, foi desfeita.

Apesar de ficar no centro da via, parte dos comerciantes reclamou que ela tirava lugares de estacionamento.

"Compra é emoção. Se o cliente passa na frente da loja e não tem vaga para estacionar, ele desiste", diz Alexandre Schmitz, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Montenegro.

Edu Andrade/Folhapress
Paulo Azeredo (PDT), prefeito cassado de Montenegro (RS), no local onde passava a ciclovia que construiu na cidade
Paulo Azeredo (PDT), prefeito cassado de Montenegro (RS), no local onde passava a ciclovia que construiu na cidade

IRREGULARIDADES

O pedido de impeachment argumentava que a pista não estava de acordo com o plano de mobilidade municipal e que não houve licitação.

Pelo plano, ela deveria ocupar uma faixa de cada lado da rua, com sentidos opostos. Mas Azeredo optou por montá-la no centro, assim como a ciclovia na avenida Paulista.

Ele não consultou o conselho de trânsito da cidade sobre a mudança e dispensou licitação. "Ninguém queria de um lado, ninguém queria de outro. Decidimos fazer no meio, para não atrapalhar", justifica o prefeito cassado.

A promotora Carmem Lucia Garcia argumenta que desfazer a ciclovia era uma questão de segurança. Antes de as calotas de proteção serem instaladas, os carros invadiam a faixa, diz.

PONTA DO ICEBERG

Azeredo recorreu da decisão da Câmara, mas o pedido foi indeferido pela Justiça.

O prefeito cassado havia ganhado a eleição com uma diferença de apenas 56 votos, na cidade de 62,8 mil habitantes. A maioria dos vereadores apoiou seu adversário durante a campanha.

"[A ciclovia] foi só a ponta do iceberg. Era uma gestão antidemocrática", diz o vereador Márcio Müller (PTB), presidente da Câmara.

Para o jurista Celso Três, procurador da República, antidemocrática é a legislação de 1967 que prevê a cassação de um prefeito a partir de critérios subjetivos. Ele diz também que há outras sanções possíveis aos gestores, antes da punição máxima, como um parecer negativo do tribunal de contas, que poderia tornar o prefeito inelegível.

O fato é que, mesmo com a retirada da ciclovia, a discórdia em Montenegro continua.

Enquanto o presidente da Câmara diz que, "agora, a cidade está pacificada", o ciclista Marco Aurélio de Lima, 30, classifica como uma "palhaçada" o impeachment. "Tem bastante gente que precisa de ciclovia para ir e voltar do trabalho", diz.


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