Folha de S. Paulo


Resistência de pais e juízes trava guarda compartilhada de crianças

Mariana tem e lamenta. Alexandre não tem e também lamenta. Seis meses após ser sancionada, a lei da guarda compartilhada ainda causa confusão entre os pais e desconfiança entre os juízes.

A lei prevê que o tempo de convivência com os filhos seja dividido de forma equilibrada entre a mãe e o pai e que os dois são responsáveis por decidir questões como escola e plano de saúde das crianças, explica a advogada especialista em direito de família Maria Stella Torres Costa.

Desde 22 de dezembro de 2014, o que era apenas uma possibilidade pela legislação anterior passou a ser a regra.

Porém persistem dúvidas e casos de pais que não conseguem garantir o direito. "Há juízes com resistências em empregar a lei. Ela ainda não pegou", diz Rodrigo da Cunha Pereira, presidente da Associação Brasileira de Direito de Família.

Mesma opinião tem Andrea Pachá, juíza do Rio e conselheira da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). "Infelizmente ainda há desconhecimento sobre a lei", diz.

Na quinta (18), protestos diante de fóruns do Rio e de São Paulo cobraram que os magistrados apliquem a lei.

Marlene Bergamo/Folhapress
Mariana Chiarella, 40, se queixa que o ex-namorado tenta interferir no cotidiano da filha, mas não comparece aos dias estipulados para a visita
Mariana Chiarella, 40, se queixa que o ex-namorado tenta interferir no cotidiano da filha

Um dos organizadores do ato, Guilherme Leoni, 38, gerente de meio ambiente da Petrobras, reúne mais de mil seguidores em um grupo sobre o tema nas redes sociais. Há três anos luta nos tribunais para dividir a guarda da filha, mas ainda espera uma decisão da Justiça.

"Os tribunais só vão aplicar a lei, com seu verdadeiro espírito, de igualdade entre as partes, quando forem pressionados pela sociedade", diz.

O programador Alexandre Inácio dos Santos, 37, lamenta que seu caso esteja entre "os que não pegaram". Em 2013, antes da atual legislação, ele teve o pedido negado. Recorreu. Em abril deste ano, já com a lei em vigor, perdeu novamente. "Quero participar mais da vida da minha filha, mas é uma luta que parece que não posso vencer", declara.

Já a fotógrafa Mariana Chiarella, 40, lamenta que seu caso "tenha pegado". Desde abril, ela divide a guarda da filha, de um ano, com o músico Diego Lisboa, 32.

Ela se queixa que ele tenta interferir no cotidiano da filha, mas não consegue comparecer aos dias estipulados pela Justiça para a visita. "O problema dessa lei é que ela define os direitos do pai, mas não as obrigações", afirma.

O músico, que diz ser presente, afirma que a lei, mais do que assegurar seu direito de ver a filha, dá a ela o direito de ter um pai. "Prefiro enfrentar essa situação para não me arrepender no futuro, quando ela for grande."

DECISÕES CONJUNTAS

Na casa de Carolina Emiliana, 38, em Bragança Paulista (a 85 km de São Paulo), toda decisão que diz respeito ao filho Martin, 8, tem a participação do ex-marido, Martin Muniz de Eman, 49.

O jeito calmo e a voz tranquila da fisioterapeuta, separada há cinco anos, deixam claro que, ao contrário do que acontece entre outros ex-casais, brigas e disputas não fazem parte da convivência que se estabeleceu entre os dois.

"A qualquer momento ele liga, pode passar aqui, tem total acesso ao filho", diz.

Jorge Araújo/Folhapress
Carolina Emiliana, 38, e o ex-marido, Martin de Eman, 49, abraçados pelo filho Martin, 8
Carolina Emiliana, 38, e o ex-marido, Martin de Eman, 49, abraçados pelo filho Martin, 8

Apesar do ressentimento natural na época em que se separaram, ela fez apenas uma exigência quando ele pediu para ter a guarda compartilhada: que o menino continuasse a morar com ela. "Não acho que guarda alternada seja uma boa", diz.

"Meu filho mora comigo, mas toda decisão sobre ele a gente senta e conversa."

Seu ex-marido diz ter optado pela medida porque tem também uma filha de um casamento anterior e sentiu falta de poder estar mais presente na criação dela. "Na guarda unilateral, as pessoas podem se sentir como donas do filho. Dessa vez, mudou da água para o vinho", afirma.

Casos como o deles mostram que, ao mesmo tempo em que enfrenta resistências, a guarda compartilhada já se integrou à rotina de parte das famílias brasileiras.

Especialistas ouvidos pela Folha dizem que o compartilhamento tende a aumentar na medida em que o conceito for mais difundido entre os pais e as dúvidas deles sobre esse sistema diminuírem.

Os dados mais recentes sobre esse tipo de guarda são de 2013, antes da lei. Naquele ano, segundo o IBGE, 86,3% dos divórcios realizados no Brasil tiveram a responsabilidade pelos filhos concedida só às mulheres.

Em 6,8% dos casos a decisão da Justiça foi pela guarda de ambos –avanço discreto em relação a 2011, quando o índice era de 5,4%.

Em novembro deste ano, uma nova pesquisa do IBGE deve mostrar o quanto essa realidade foi alterada pela lei.

Alguns dados do Judiciário, porém, apontam para números ainda discretos.

No Rio Grande do Sul, Estado considerado vanguarda nas decisões sobre direito de família, oito casos já foram julgados pelo Tribunal de Justiça –que decidiu pela aplicação da regra– após a regulamentação da lei.

LEGISLAÇÃO

Apesar de considerada um avanço por especialistas, a regulamentação da guarda compartilhada gera dúvidas entre os pais. Questões práticas como se a nova lei pode alterar o valor das pensões ou a quantidade de visitas ao filho são algumas delas.

Segundo a advogada e especialista em direito de família Maria Stella Torres Costa, a lei não interfere nesses pontos, mas dá oportunidade para que os pais discutam a questão.

Outra dúvida frequente é a alternância de casas. "As pessoas ainda confundem muito com a guarda alternada, em que a criança tem duas casas", diz.

Ela explica que essa possibilidade não é prevista pela lei, mas pode ser acordada entre as partes.

Caso um dos pais não cumpra as obrigações, a Justiça pode ser acionada.

Para a juíza Andrea Pachá, titular da 4ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro e conselheira da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), mesmo quando há briga entre as partes, a lei é benéfica.

"Não tenho a fantasia de que a lei mude a realidade, mas tem a capacidade de afirmar os direitos, como foi a Lei Maria da Penha."


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