Folha de S. Paulo


'Até hoje não dormi', diz mãe de menina que relatou estupro em escola

Uma garota de 12 anos diz ter sido estuprada, no último dia 12, por três colegas de 13 e 14 anos no banheiro da escola estadual Leonor Quadros, no Jardim Miriam, na zona sul da capital paulista, na hora do recreio.

O adolescente mais velho confessou e citou a participação de outros dois colegas. Um deles nega. O terceiro está sendo procurado. A vítima reconheceu os três autores.

O processo foi encaminhado para a Vara da Infância e Juventude. A polícia acusa os jovens de estupro de vulnerável e pede a internação na Fundação Casa. A mãe da vítima, atendente de 34 anos, relata à Folha seu desespero ao ver a dor e a vergonha da filha. Ela pediu para não não ser identificada.

Reprodução/TV Globo
Mãe de menina que relatou estupro por colegas de escola em entrevista à TV Globo
Mãe de menina que relatou estupro por colegas de escola em entrevista à TV Globo

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Estava em casa esperando minha filha chegar da escola. Por coincidência, minha outra filha ligou para a irmã e ouviu dela: "Avisa pra mãe que estou passando mal e vão me levar ao hospital".

Ela estava no pátio, esperando o Samu. Tinha falta de ar, hiperventilação e taquicardia. Não contou o que tinha acontecido. Não conseguia descrever.

Ela entrou no Samu e, quando viu o funcionário, conseguiu falar. Quando eu cheguei no hospital, ela não queria falar comigo a sós. A assistente social ficou do lado dela quando me contou que tinha sido estuprada.
Quase desmaiei. Nem sei que palavras ela usou. Fiquei muito nervosa. Abracei a minha filha e fiquei desesperada. Completamente perdida.

Ela me pediu desculpas, mas aí eu pedi desculpas pra ela. Não era culpa dela. Aquela escola [estadual Leonor Quadros, na zona sul] é bagunçada. Desde o primeiro dia [no início do ano], ela pedia para mudar. E falávamos para ela ter calma enquanto procurávamos outra escola. A gente se sente culpado. Coisa de mãe e de pai.

Ela não me contou o que [os agressores] disseram. Só as atitudes. Um deles a empurrou para o banheiro e os outros dois já estavam lá. Trancaram ela no último banheiro, a despiram e taparam a sua boca. Enquanto dois seguravam os braços dela, o outro cometia o ato. Eles se revezaram durante 50 minutos.

Ela tem vergonha. Não dá detalhes. É muito sofrido.

Pelo fato de a terem sondado no recreio, acho que eles já estavam de olho. Porque ela é bonita, simpática. E não dava ideia para eles. A gente não entende a mente de quem faz esse tipo de maldade.

Chegamos em casa às 2h45 da manhã do dia 13. Ela estava toda mole. Tinha tomado cinco injeções no bumbum, mais vacina, medicamentos. Tinha acabado de ser estuprada por três monstros. Estava mancando. Mas tinha que seguir aquela via crucis para poder ir pra casa.

Eu não dormi. Até hoje não dormi. Você pisca e acorda. Hoje [quinta, 21] mesmo uma emissora de TV me ligou às 7h. Fiquei nervosa. Mal tinha conseguido dormir e me acordaram. Depois ligaram de novo. Até isso, o telefone não para. Chegados e parentes querendo ter notícia. A polícia, o conselho tutelar. Vou fazer terapia. Estou anestesiada. É muito difícil.

Minha filha está passando mal. Tem dores no corpo, sente sonolência. Vomita, aí tem que tomar outro remédio.

E os medicamentos contra doenças sexualmente transmissíveis são fortíssimos. Cai cabelo, sabe? Ela dorme e acorda o dia inteiro. Tem pesadelo. Passa o dia quieta.

Ela contou que sonhou com eles [agressores], com coisas que eles falaram. Mas não conseguiu me falar o quê. Estou preocupada de ela desenvolver pânico.

AMEAÇAS

A gente tem recebido trotes no celular dela. Ameaças de que vão pegá-la se não parar de falar. O número é restrito e a voz está alterada. Dá para identificar que é homem, mas não a idade.

Estou sentindo medo. A gente chamou a mídia para ajudar a prendê-los. Só que eles sabem onde é a nossa casa. E eles estão soltos.

Moramos eu e ela. Vou ver com a doutora [sua advogada] o que fazer. Tenho parentes por aí, mas não quero que ela dependa de estar na casa de outra pessoa para se sentir segura. Ela vai ter que levar a vida pra frente.

[Com a confissão de um deles, o processo] está começando a caminhar. Mas não aceito eles estarem soltos. Não aceito. Estou me apoiando no governador [Geraldo Alckmin], que deu a palavra dele de que vão ser tomadas as providências. Estou indo atrás e não vou descansar.

Só trabalhei dois dias e ela ficou com a minha mãe, mas não consegui. Fico preocupada se ela dormiu, se teve pesadelo. Não quero desgrudar.

O pai dela mora e trabalha longe. Está inconformado.

Somos evangélicas. Parei na parede do banheiro e clamei: Senhor, por quê? Pedi para ele me acudir. Acredito que Deus tem propósito em tudo o que faz. Até Jesus passou pelo sofrimento que passou. Não me revoltei contra Deus nem ela, graças a Deus. Ele está nos ajudando.

Tudo vai mudar. A gente tenta ajudar de todas as formas, mas, como ela vai superar, só Deus sabe.

Filho é a parte que mais dói na gente. Tenho que cuidar de mim para cuidar dela. Vou incentivá-la a continuar a dança na igreja. E vamos colocá-la em outra escola. Se tivesse condições financeiras, com certeza ela não estudaria numa estadual. Nossa família e o Brasil todo estamos buscando Justiça.


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