Folha de S. Paulo


Acampados do Rodoanel: sem-teto avançam ao lado de operários

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De um lado estão máquinas pesadas e operários. De outro, barracos com lonas pretas ou azuis. São cerca de 300, número que cresce conforme a adesão dos moradores do próprio bairro.

Na zona norte de São Paulo, a menos de 30 metros da construção da última etapa do Rodoanel, uma nova ocupação emerge pelas mãos de um grupo de sem-teto.

No sentido contrário das obras da futura rodovia, a invasão do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) toma um pedaço do Jardim Corisco, onde as desapropriações de casas deram a tônica nos últimos anos.

A área é particular, e os barracos chegaram a ser retirados há duas semanas, quando eles dizem que a Guarda Civil Metropolitana os obrigou a sair do terreno de quase mil metros quadrados. Após 24 horas, as lonas voltaram.

Enquanto a Folha visitava a região, mais moradores do bairro chegavam. Carregavam pedaços de bambu para os barracos –montados em menos de duas horas.

Nos fundos desse terreno, margeado por um pequeno rio, um grupo carpia e derrubava parte do mato. Outros carregavam sofás, colchões, tapetes e televisões.

Entre eles, Leandro Bezerra, 25. Desempregado, ele e a mulher, grávida de seis meses, dividem há pouco mais de uma semana um espaço de cinco metros quadrados. "Não dá para pagar aluguel e viver, por isso viemos para cá."

Nem mesmo o viaduto que deve passar por onde hoje está o canteiro de obras ao lado o desanima. "Com viaduto, sem, não importa, o que importa é ter onde morar e criar meu filho", completa.

Dividida em dois lotes com cerca de 150 barracos, a área tem uma cozinha coletiva, luz elétrica puxada dos postes e contagem dos moradores duas vezes por dia.

A proximidade com as obras do trecho norte do Rodoanel é tão grande que entre sem-teto e operários a convivência se dá naturalmente.

Vez por outra, um homem uniformizado aparece em meio à ocupação, se dirige à cozinha coletiva e ali mesmo toma seu café. "São trabalhadores como todo mundo aqui. Quem é pobre se ajuda", diz Cláudia Regina da Silva, uma das coordenadoras do local.

O que em outros bairros poderia causar apreensão na vizinhança, por ali, com poucas exceções, é visto com bons olhos. "Isso era um horror. Era só mato e estupradores", diz o aposentado Iran Ortega, 69, morador do Jardim Corisco.

"Está bem no caminho das crianças que saem de tarde da aula. Com a ocupação, todos ficam mais seguros."

Ao contrário de alguns de seus vizinhos, o aposentado não está ali para se instalar. Passa os dias ajudando quem quer se mudar. "Ajudo porque o que eles estão passando agora, não ter onde viver, eu também já passei", afirma.

Editoria de Arte/Folhapress

INCERTEZAS

Os sem-teto reivindicam que a área seja desapropriada para a construção de moradias do Minha Casa, Minha Vida, o programa federal de habitação. Sabem, no entanto, que a incerteza deve acompanhá-los enquanto o imbróglio jurídico não se resolver.

Incerteza por ali, no entanto, não é exclusividade dos sem-teto. Os prazos para a conclusão do Rodoanel Norte também não estão claros para a maioria. No último mês, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) avaliou como "crítico" o ritmo da construção.

A gestão estadual admite que pode rescindir o contrato com o consórcio liderado pela Mendes Junior, responsável pela obra e uma das construtoras investigadas pela Operação Lava Jato, que apontou irregularidades em contratos com a Petrobras.

Previsto para janeiro de 2016, o trecho norte teve a entrega prorrogada para julho de 2017. O rompimento do contrato pode levar a nova licitação –com entrega em 2018.

Nos últimos quatro anos, alguns dos moradores locais também conviveram com a incerteza e a expectativa de terem suas casas desapropriadas pelo Estado. Acabaram descobrindo só no final de 2014 que isso não vai ocorrer.

"Passamos quatro anos esperando, sem poder fazer nada na casa achando que iríamos sair. E só descobrimos porque fomos até eles cobrar", diz Eliene Santana, 37.

A Dersa (empresa de desenvolvimento rodoviário) informa que as desapropriações estão concluídas e, no total, 68 famílias foram incluídas.

A empresa diz que, devido a alterações do projeto, algumas famílias não serão removidas e que "essa informação foi transmitida aos moradores no segundo semestre de 2014, durante visitas domiciliares".

Também diz que eles tiveram à disposição "plantão social para esclarecer dúvidas, consultar o projeto e a situação de suas moradias".

Sobre a situação do terreno invadido, a Dersa informou apenas que não há nenhuma invasão em sua área.

Para a prefeitura, "as ocupações prejudicam a política habitacional vigente e não geram prioridade no atendimento habitacional definitivo".

Afirma também que mantém canal de diálogo aberto e constante com todas as entidades de moradia da cidade.


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