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Morador de rua no Rio é 'sentinela' de estátua de são Jorge; veja vídeo

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Fábio Rocha, 34, é sentinela de São Jorge. Há dois anos, mora dentro da base de uma estátua do santo, na praça Sulacap, zona oeste do Rio. O espaço tem apenas quatro metros quadrados. Com carteira de trabalho assinada como auxiliar de serviços gerais, sua função é impedir que a estátua de São Jorge seja depredada e limpar o espaço.

"Sou conhecido como o guardião de São Jorge. Também me chamam de sentinela, capitão, general; são muitos nomes. Mas sou aquele que cuida da estátua, que é minha casa também", disse Rocha à Folha.
Sua vida mudou depois que conheceu um homem chamado Messias.

Nascido no Espírito Santo, Rocha morava nas ruas. Circulava diariamente pela praça Sulacap quando encontrou o gari Messias Gomes, 35.

"Ia atrás de cigarros e bebidas nos despachos da rua para me aquecer. Estava sem emprego, na dúvida se voltava para o Espírito Santo, pensando também em voltar para o crack. Um dia, sentado aqui na praça da estátua, comecei a chorar. Foi quando apareceu o gari", contou Rocha.
O gari decidiu apresentar o morador de rua ao empresário Jorge Luiz Domingos da Silva, dono de colégios particulares da região, que estava em busca de alguém para cuidar da estátua do santo. Foi contratado por um salário mínimo e mais R$ 200 em vale-refeição.

Ricardo Borges/Folhapress
Fábio Rocha, 34, mora dentro da base de uma estátua de são Jorge na zona oeste do Rio de Janeiro
Fábio Rocha, 34, mora dentro da base de uma estátua de são Jorge na zona oeste do Rio de Janeiro

DESAVENÇAS

Antes da chegada de Rocha, um pastor evangélico chegou a arrancar a cabeça da estátua com uma barra de ferro e levar o objeto para casa. A depredação aborreceu os fieis do santo, que morreu decapitado no ano 303 por não renegar o cristianismo.

Com autorização da Prefeitura do Rio, o empresário de Sulacap assumiu a manutenção da praça e instalou a estátua.

"Comprei por R$ 4 mil, em São Paulo. Depois da depredação, recuperamos a cabeça e a restauração custou cerca de R$ 2.500", disse Domingos da Silva.

Situada na Avenida Intendente Magalhães, a praça divide os bairros de Vila Valqueire e Sulacap. O cruzamento atrai muitas oferendas religiosas à praça. Além disso, nas religiões com matriz africana, São Jorge é considerado o orixá Ogum, associado aos guerreiros e trabalhadores.

Rocha percebeu que a estátua atraía seguidores de diversas religiões, especialmente em 23 de abril, dia de São Jorge, que é feriado no Rio.

"Quando comecei a trabalhar, sugeri fazer a divisão da praça. Para os católicos que não entendem as oferendas acenderem suas velas, e também para o pessoal dos despachos não ser incomodado", disse o guardião.

Ele conta que já foi obrigado a apartar brigas entre os dois grupos. Nessas horas, recorre a duas armas: uma peixeira e uma pequena espada de ferro, atribuída a Ogum. "Nunca usei, claro. É somente para assustar e separar as brigas".

Desavenças à parte, o guardião se sente protegido sob a estátua de São Jorge.

Para entrar e sair de sua "residência", Rocha diz pagar penitência todos os dias. Um buraco de 1,10 metro de altura serve de porta, obrigando-o a se agachar.

No interior do monumento, guarda dois rádios, um colchão, ventilador, fogão e roupas. Cozinha ali mesmo e, se necessário, usa o ventilador para afastar a fumaça.

"Não fico com medo de dormir aqui porque tenho São Jorge sobre minha cabeça. Virei devoto dele também. Com fé, vou conseguir realizar meu sonho, que é ter uma casa onde possa entrar de pé."

Apesar de ter vale-refeição, Rocha não perdeu o costume de pegar cigarros, bebidas e até comidas das oferendas.

"O pessoal que entende de magia diz que morador de rua pode pegar o que está nas oferendas. Eu cozinho aqui às vezes um porco, um pedaço de carne, até umas asinhas de frango que acho nos despachos. Até já passei a entender o que é cada oferenda. Galinha com pescoço cortado não costuma ser coisa boa", ensinou o guardião.


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