Folha de S. Paulo


Vereador apresenta projeto para proibir 'marca da besta' em humanos

Como o fim dos tempos está próximo, é preciso que as pessoas se previnam e proíbam a "nova ordem mundial" de implantar chips em seus corpos.

Com essa justificativa, um vereador de Santa Bárbara d'Oeste (SP) apresentou um polêmico projeto de lei à Câmara que tem como objetivo vetar no município o implante de microchips ou outros dispositivos eletrônicos em seres humanos.

Embora não haja nenhuma intenção ou projeto em andamento para a adoção da microchipagem na cidade, o projeto do vereador Carlos Fontes (PSD), parlamentar evangélico que está em seu quarto mandato, foi desenvolvido como um alerta, segundo ele, para que, futuramente, não seja cobrado por ter tido a chance de ajudar os moradores e não ter feito isso.

"Para quem fala que estou 'viajando', não dormi, levantei e decidi fazer isso. Foi com muitos estudos, leitura bíblica. Perdi muitas noites de sono buscando informações sobre os microchips. Que vai acontecer biblicamente, vai. A gente não vai mudar a Bíblia. Foi Deus quem disse. Nós não vamos mudar o que Deus determinou", disse ele.

O projeto de lei nº 29/2015 prevê em sua redação o veto ao implante em seres humanos de todas as idades de qualquer tipo de identificação, como código de barras, chips ou fios ópticos, "na camada subcutânea ou superficial da pele, derme e epiderme, cartilagem, órgãos internos, músculos, ossos, cabelos ou tatuagem".

O projeto inclui, ainda, um parágrafo único que afirma abranger qualquer dispositivo eletrônico ou eletromagnético que permita rastreamento via satélite ou GPS, telefonia, rádio ou antenas.

Para ele, uma eventual adoção futura de equipamentos eletrônicos como os chips nos corpos tem a falsa justificativa de localização e identificação das pessoas, mas, no fundo, podem ser a "marca da besta".

O vereador alega que, no futuro, fala-se em um governo único, dominando todas as nações do planeta e que as pessoas que tiverem marcas na mão e na testa estarão fora dos caminhos de Deus. "As que não aceitarem a marca pagariam com suas próprias vidas", disse.

Para ele, é melhor as pessoas morrerem a serem microchipadas. "Aí teremos a salvação eterna."

O projeto, divulgado no site da Câmara sem entrar no mérito, gerou reclamações de moradores nas ruas e em redes sociais.

"Isso não pode ser sério. Com tantos problemas na cidade, vai se preocupar justamente com algo que não existe?", questionou a vendedora Camila Martins de Oliveira.

Já o comerciante Jonas Teixeira disse que propostas como essa fazem a cidade ser alvo de "gozação".

Na Câmara, dois parlamentares ouvidos pela Folha, sob a condição de anonimato, afirmaram ser contra o projeto de lei e qualificaram-no como motivo de chacota para o Legislativo.

O presidente da Câmara, Juca Bortolucci (PSDB), disse que todos os vereadores têm a prerrogativa de apresentar qualquer tipo de projeto e que cabe ao plenário decidir, caso passe pelas comissões da Casa.

"Dada a situação do projeto, pedimos também um parecer jurídico. A comissão tem três vereadores, sendo um presidente, o relator e um membro", disse.

SEM PRESSA

Apesar de, conforme o autor do projeto, o fim dos tempos estar próximo, o projeto não foi apresentado de forma emergencial e seguirá o trâmite normal, com prazo de 45 dias para passar também pelas comissões de Justiça e Redação e Finanças, antes de ir a plenário.

Se for aprovado, seguirá para a prefeitura, para ser ou não sancionado. Para a Câmara aprovar, basta maioria simples dos 19 vereadores existentes –se o quórum for de 11, por exemplo, seis votos são suficientes.

Em Santa Bárbara, os vereadores recebem salário de R$ 7.101,63 (o presidente da Casa ganha um extra de R$ 884,01) e têm três assessores, que geram um custo mensal de R$ 8.948,58, fora encargos.

Questionado se apresentar projetos como esse faz parte do papel do vereador, ele disse que é preciso estar "antenado com todas as questões" e que até Noé foi ridicularizado quanto começou a construir a Arca.

"Falam que sou louco, aloprado, que endoidei de vez. Mas isso também aconteceu na época de Noé. Quando Deus mandou ele construir a Arca porque mandaria o dilúvio, falaram que ele estava gagá, que tinha pirado."

PIROCA

O projeto de Fontes não é o primeiro a gerar polêmica nas últimas semanas. Um deputado estadual do Amazonas apresentou um projeto que propõe transformar palavras como "piroca", "cabaço", "baitola", "pinguelo" e "xibiu" em patrimônio imaterial do Estado.

Também membro da bancada evangélica e em seu quarto mandato, Wanderley Dallas (PMDB) listou os termos junto a dezenas de outros, como "cabeça dura", copiados do livro "Amazonês", do acadêmico Sérgio Freire, que pesquisa a linguagem da região.

Após enfrentar críticas, ele recuou e disse que retirará palavrões do projeto, mas atacou os colegas. "É um grupo de deputados que se constrange com a palavra 'cabaço', mas usa de boca cheia em qualquer local", disse.


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