Folha de S. Paulo


Ator que interpretou traficante em 'Cidade de Deus' vive na cracolândia

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Neguinho é o nome do personagem assassinado em meio a uma disputa por pontos de drogas no filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, indicado ao Oscar.

Interpretado pelo ator Rubens Sabino, 33, o traficante da trama de 2002 é parte do diálogo celebrizado pela frase do colega de set Leandro Firmino: "Dadinho é o caralho. Meu nome é Zé Pequeno".

Neguinho veio parar na cracolândia de São Paulo –onde perambulava nesta quarta (29), com roupas doadas por instituições e amigos e uma bolsa para acomodar tacos de golfe, mas que ele usa como mala de viagem.

Ali, Rubens Sabino afirmou à Folha que consumiu crack por pelo menos três anos, deixando para trás a sonhada carreira no cinema.

Ele vive hoje entre as ruas, hotéis e albergues da região. Dependente químico, busca um desfecho diferente do personagem do filme, numa luta constante contra o vício.

Jura estar "limpo" desde fevereiro. "Isso aqui é um pedaço do inferno. Vim parar aqui por causa da doideira mesmo. Não fumava, comia", disse, usando expressão para enfatizar que consumia grande quantidade de droga.

Sabino falou à reportagem na rua Helvétia, epicentro da cracolândia, depois dos primeiros confrontos entre viciados e policiais militares em meio a uma operação da prefeitura e do Estado.

As bocas de tráfico ocuparam tanto sua precoce e curta vida no mundo fictício da arte como na longa vida no real mundo das drogas.

"Sou usuário desde os 13 anos. Quando fiz 'Cidade de Deus', já fumava, bebia, [era] vida louca." Teve acesso a álcool e drogas pela primeira vez nas biqueiras no morro do Vidigal, no Rio, onde cresceu e estudou teatro por meio do projeto Nós do Morro.

Divulgação - Adriano Vizoni/Folhapress
O ator Rubens Sabino como Neguinho, no filme
O ator Rubens Sabino como Neguinho, no filme "Cidade de Deus", de 2002, e na cracolândia, em SP

SONHO NOVO

Reconhecido por agentes de saúde da prefeitura, Sabino posava para fotos com eles nesta quarta em meio ao clima tenso da cracolândia. "Eles viraram minha família. Porque não fui acolhido pela minha família de sangue."

Foi abordado pelo secretário de Direitos Humanos e Cidadania da gestão Fernando Haddad (PT), Eduardo Suplicy. Após conversa com o ex-senador, o abraçou, agradeceu e pediu dinheiro. "Ele me deu R$ 450 [Suplicy diz que foram R$ 50]. Em outra época, já estaria na boca. Hoje eu venci."

Na cracolândia, diz se submeter a um tratamento dentário no Cratod, centro de referência do governo estadual -e apresenta uma carteirinha com a consulta agendada.

Sabino afirma estar de malas prontas para Portugal, onde espera conseguir um emprego. Tem passagem marcada para 11 de junho.

"Mesmo nessa condição social sinistra, consegui tirar passaporte. Agora vou trabalhar em qualquer coisa na Europa porque um empresário me comprou a passagem."

DOIS MUNDOS

No cinema, Neguinho foi chefe da boca. Diz ter criado junto com Firmino a cena de "Cidade de Deus".

"Não tinha texto, não tinha roteiro, criamos os diálogos na raça", afirma. "Quando fizemos o filme, não imaginávamos que ficaríamos famosos e seríamos indicados ao Oscar. Aí veio o glamour. Fiquei com fama, sem grana e moro na rua."

Em 2003, Sabino foi preso no Rio por um roubo de R$ 26, seguido de internação.

A partir do ano seguinte, o ator, que também é percussionista e tocou com o cantor Seu Jorge, viveu entre Rio e São Paulo, onde conseguiu trabalho na produtora de Meirelles e moradia na Vila Madalena (zona oeste).

Diz ter frequentado um colégio de elite até o 8º ano do ensino fundamental, levado pelo cineasta. O vício, no entanto, desfez todos os projetos. "Fui demitido porque voltei a usar [crack]. Aí fui pra rua de novo".


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