Folha de S. Paulo


Órfãos da dengue: família tenta se recompor após morte de pai

Fabio Braga/Folhapress
Elaine Mendonça com os filhos Lucas e Pietra; na rua onde moram, em São Carlos (SP)
Elaine Mendonça com os filhos Lucas, 16, e Pietra, 7, na rua onde moram, em São Carlos (SP)

Pietra, 7, ainda não entendeu bem o que se passou. Lucas, 16, tenta retomar a rotina, agora como "o homem da casa". Maria Eduarda, 10, se fechou, não quer saber de conversa com estranhos.

Em março, perderam o pai, Gilson Alves, 40, um homem de 1,90 m e 110 kg, para a picada de um mosquito, de 0,5 cm: o Aedes aegypti, transmissor do vírus da dengue.

"A gente fica sem chão. Um homem daquele tamanho...e um mosquito, né?", desabafa a mãe dos garotos, Elaine Mendonça, 35, casada desde os 15 com Gilson.

Na casa da família, em São Carlos (a 232 km de São Paulo), um repelente de pernilongos constantemente plugado na tomada não deixa ninguém esquecer onde está.

Editoria de Arte/Folhapress

Em todo o Estado são ao menos 125 óbitos –ante 141 de 2010, ano com mais mortes pela doença no Estado, segundo o Ministério da Saúde.

Em São Carlos, a morte de Gilson é a única confirmada. Mas no Jardim Pacaembu, onde a família mora, são 100 casos até agora, 17 na rua deles.

Com 220 mil habitantes, São Carlos contabilizava até sexta (24), 7.471 notificações da doença, número sete vezes maior do que o total de casos no ano passado (1.067).

"Depois que ele morreu, passaram com um nebulizador aqui na rua. Mas não voltaram mais", diz a sogra de Gilson, Maria Donizete Mendonça, 58, vizinha da família.

Segundo ela, atrás da casa deles, uma vala acumula sujeira há muito tempo. É de lá que ela suspeita que tenha partido o problema. Assim como Gilson, ela e Elaine também contraíram a doença.

"É uma obra que ficou aí um tempão, nunca acabaram, era para ser tapado, mas aí sai prefeito entra prefeito e fica tudo assim mesmo", diz ela.

A família suspeita que Gilson tenha sido vítima da forma hemorrágica da doença. "Ele falou no celular com o patrão às 11h17. Depois começou a perder sangue. Morreu às 11h35", diz Elaine.

A morte de uma menina de 12 anos no início deste mês também é investigada como suspeita de dengue.

Editoria de Arte/Folhapress

A Prefeitura de São Carlos afirma que, por cinco vezes, o bairro em que a família de Gilson mora recebeu nebulização. Todas elas foram feitas após a morte de Gilson.

De acordo com o município, 112 agentes de saúde fazem o trabalho de campo, número considerado adequado –após a contratação emergencial de 72 deles.

Sobre a morte da menina de 12 anos, a Secretaria de Saúde afirma que "todos os procedimentos foram realizados de acordo com o protocolo de classificação de risco" e que o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) de Américo Brasiliense, cidade vizinha, tem até 30 dias para emitir o resultado do exame.

A 207 km de São Carlos, Sorocaba teve neste ano 19 mortes causadas pela dengue. Outras 14 são consideradas suspeitas. O total de casos confirmados chega a 46 mil –3.730 deles foram registrados em uma semana.

Após perder o avô para a doença, Giovana Helena da Silva Valentim, 28, agora teme pela filha de 2 anos. "Dentro de casa a gente tem que passar o dia inteiro com o repelente ligado", afirma.

Segundo ela, o avô, João Maria Valentim, 78, não resistiu mais do que uma semana à doença. A sujeira e a falta de cuidado com os lugares públicos da região, ela diz, ajudam a explicar os casos.

A Prefeitura de Sorocaba diz que, entre os dias 13 e 22 de abril, foram recolhidas 135,8 toneladas de materiais inservíveis.


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