Folha de S. Paulo


Minha história: Enide Silva, 31

Ex-lavradora busca tratamento em SP para filho, mas ele morre de dengue

RESUMO - Com o olhar perdido, Enide Aparecida da Silva, 31, pouco responde sobre o futuro. Menos de dois anos após a morte do marido, a faxineira desempregada e ex-lavradora perdeu o filho Edmar Maurício Silva, 11, no dia 9 de março.

A morte é uma das quatro confirmadas por dengue na capital. No Estado, eram 122 até o início do mês. Em 2014, foram 90. Edmar aguardava por um transplante de medula, diz a mãe, que se mudou de Montes Claros (MG) para São Paulo em busca de tratamento médico para Edmar e seu pai.

Segunda a mãe, o garoto ia bem, havia sobrevivido a outras doenças. A dengue, porém, Edmar não superou. À Enide, sobrou outro filho, de 13 anos, e a certeza de que nada mais há para fazer em São Paulo.

Joel Silva/Folhapress
Enide Silva, 31, segura fotografia do filho Edmar, 11,morto em decorrência da dengue
Enide Silva, 31, segura fotografia do filho Edmar, 11,morto em decorrência da dengue

*

Ele esperava pelo transplante já fazia quatro anos. Se estava perto de fazer? Tava não, moço, tava não...

Toda terça-feira, eu levava ele pro Hospital das Clínicas. Tinha vezes que eu ia duas, três vezes por semana com ele pra lá. Tudo o que ele sentia, ia pra lá. Eles me davam passe. Não pagava o ônibus. Ele estava na quarta série. Ia bem na escola, tadinho...

Antes, a gente trabalhava na roça, era lavrador. Lá em Minas. A gente veio pra São Paulo por causa dele e do pai. Por causa da saúde deles.

O pai dele já estava ruim, com o pulmão muito fraco. Aí passou a sofrer de epilepsia. Eu que trabalhava. As pessoas me chamavam e eu ia, fazia faxina. O HC me dava cesta básica. Assim ia passando. Lourival Pereira da Silva era o nome do pai dele. Morreu tá fazendo um ano e nove meses agora.

Parece que é o fim do mundo né, moço? Até hoje, se falar que eu concordei, que eu estou bem com a morte do pai dele, é mentira. Não estou. E aí na sequência vem outra ceifada...

Aqui em São Paulo o Edmar pegou gripe suína. Sofri muito com ele aqui. Depois disso, ele melhorou. Agora vem essa dengue...Me apego com Nossa Senhora...

Eu não sei onde ele pegou. Ele não saía daqui (aponta para a casa de dois cômodos). Só saía para ir no médico. E aqui não tem lugar pra essa dengue. Falei pros médicos que é impossível. Ele só foi na escola no dia da chamada. Não saiu mais. Não sei, só sei que isso é muito triste.

Não vi passar ninguém aqui para limpar a rua. Mas acho que limparam. Eu cheguei, fui entrando no HC. Eles já vieram pegando ele, toda vida atenderam ele. Chegou com 39 de febre e o médico disse para mim 'não vou esconder não, é suspeita de dengue'.

Mas eu sempre perguntava 'é dengue mesmo?' Eles diziam 'ó mãe, a gente não tem certeza, o exame não saiu'. 'Oxi, vocês deram suspeita agora não tem certeza?'.

Ele reclamava que tava com dor. Chegou uma hora que pegou a tremer. Não tinha força pra nada, nem pra comer.

A gente tava no IML e, como o corpo não tinha chegado, disseram que eu tinha que esperar para sair a papelada. Aí no mesmo dia voltei no hospital. O exame tinha saído. Era dengue.

Quando saiu o atestado, o homem do IML perguntou 'você sabe do que ele morreu?' Eu disse: 'de dengue'. Ele me disse: 'não, no papel está escrito hepatite'.

Aí foi aquela coisa. Voltei no hospital, mas já não tinha cabeça para falar com ninguém. Minha enteada subiu falar com os médicos, eles disseram que tinham colocado hepatite porque não tinham certeza que era dengue. Mas era. Já tinha saído o exame.

Fiquei muitos dias dentro de casa, pensando, pensando. Eu fiquei com ele lá dentro daquele hospital 15 dias... A minha tristeza maior é que... eu lutei tanto pelo meu filho. Tava com esperança dele crescer, ficar melhor.

Estou pensando em ir na prefeitura para ver se arrumam pelo menos uma cesta básica. Quero ver se melhoro um pouco para pegar um serviço pra fora. Mas o que eu preciso mesmo é de ajuda para ir embora, voltar pra Minas.


Endereço da página: