Folha de S. Paulo


Engenheiro e praticante de corrida faz travessia pela serra da Mantiqueira

Um desavisado que leia o currículo de Pablo Bucciarelli pode imaginar que se trata de um nerd gordinho, com óculos de fundo de garrafa, vidrado em algum videogame maluco.

Afinal, o cara é formado em física, atua como engenheiro de risco e trabalha para uma empresa de seguros, passando horas fazendo cálculos em frente ao computador.

Nada mais errado. Paulistano da gema, ele está em forma invejável, é um dos maiores especialistas brasileiros em corrida de aventura e acaba de fazer travessia inédita pela serra da Mantiqueira.

Em apenas seis dias, sob fortes chuvas e até granizo, percorreu perto de 400 quilômetros –quase todos na crista das montanhas em Minas, São Paulo e Rio.

Para ser exato, a jornada iniciada às 7h55 do dia 13 de fevereiro teve trajeto de 397 quilômetros transpostos em 6 dias, 5 horas e 20 minutos.

Editoria de arte/Folhapress

No período, Pablo dormiu apenas 18 horas (média de três horas por noite). Enfrentou dores e situações de cansaço extremo, além do desconforto de passar grande parte do caminho com roupas molhadas pela chuva.

"O que há de bom nisso?", pode perguntar alguém mais afeito às sagas televisivas e ao desbravamento de engarrafamentos no trânsito.

Ao que Pablo, 40, divorciado, dois filhos, morador da poluída e cinzenta região central paulistana, responde:

"Gosto de desafios extremos. Nos momentos de maior crise, em que quase abandonei a rota, foi quando experimentei minha maior conexão com a natureza."

O atleta diz também que a travessia teve cunho espiritual. "Além de querer uma conexão maior com a natureza e suas entidades, fui em busca de respostas íntimas."

Levou consigo uma equipe que incluía fotógrafo, cinegrafista e um blogueiro encarregado de fazer o diário do percurso, além de pessoal que cuidava da comida e do abastecimento da mochila.

Pablo encontrava esse pessoal em pontos predeterminados, fazia gravações, comia e planejava o trajeto seguinte.

"Fiz isso porque meu objetivo era também chamar a atenção para a situação da Mantiqueira. A região está sendo palco de muita coisa ligada à exploração da terra. Meu desejo é divulgar essa rota que é a menina dos olhos do montanhismo no Brasil."

A Transmantiqueira não é um percurso demarcado, reconhecido e aberto ao público. Trata-se, explica ele, da junção de várias trilhas. Há um projeto para criação de uma Rota da Mantiqueira, mas ainda não saiu do papel, segundo conta Bucciarelli.

Mesmo assim, turistas e apreciadores da vida ao ar livre percorrem os caminhos ao longo de vários dias, acampando em barracas. Esportistas, porém, tentam bater marcas e desafiar o tempo.

Para chegar ao tempo recorde, o montanhista carregou consigo experiência de mais de 30 anos dedicados ao esporte –começou com natação aos seis anos de idade.

Adulto, esteve na liderança do ranking nacional de corridas de aventura –que incluem modalidades como corrida, mountain bike, rapel, remo– de 2010 a 2012.

Apesar de ter tido patrocínio em alguns momentos, é ele quem sustenta a maior parte de suas empreitadas, contando também com a ajuda gratuita de amigos, como aconteceu na travessia da Transmantiqueira –que lhe custaria mais de R$ 50 mil, se tivesse de pagar por tudo.

Sonha em escalar os dois maiores picos brasileiros, o da Neblina e o 31 de Março, ambos com cerca de 3.000 m de altura, na Amazônia.

Enquanto esse projeto não se realiza, Bucciarelli fará uma jornada de 24 dias pela serra Karakoram, no Paquistão, em abril e maio.


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