Folha de S. Paulo


Reintegração de posse de edifício de Eike Batista tem incêndio e tumulto

A reintegração de posse do edifício Hilton Santos, na avenida Rui Barbosa, na manhã desta terça (14), acabou com um incêndio, tumulto e detenções.

Desde as 6h, policiais do Batalhão de Choque estavam posicionados diante do imóvel situado no bairro do Flamengo, na zona sul do Rio, para cumprir a reintegração de posse do edifício, que pertence ao clube Flamengo e estava arrendado ao empresário Eike Batista para a construção de um hotel de luxo, que nunca se concretizou.

Em torno das 10h, os sem-teto aceitaram deixar o imóvel após negociar com defensores públicos. No momento da saída, no entanto, alguns ocupantes atearam fogo a colchões no primeiro andar do edifício. Uma fumaça espessa tomou as janelas do primeiro e segundo andares.

Parte dos sem-teto já havia deixado o prédio, e os outros também conseguiram sair. O fogo foi controlado rapidamente. Segundo o Corpo de Bombeiros, não houve feridos.

Quando começou o incêndio, a polícia invadiu o local, assim como um grupamento do Corpo de Bombeiros. Houve tumulto do lado de fora e a polícia utilizou spray de pimenta contra os sem-teto. A correria se estendeu pela rua.

A polícia deteve dois sem-teto que supostamente arremessaram pedras contra viaturas e o comandante da tropa deu voz de prisão a um policial que teria usado spray de pimenta contra um homem que carregava uma criança de colo.

"O comandante entendeu que houve uso excessivo da força. Será instaurada uma sindicância", diz a PM, em nota.

Esse mesmo homem é casado com uma gestante que, na madrugada de terça, deu à luz num banheiro do prédio, de acordo com moradores. Carlos Alessandro Souza, 35, disse à Folha que sua mulher, Fernanda da Silva Pessoa, 34, estava no quinto mês de gestação e, após o nascimento da criança, foi encaminhada à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Botafogo, na zona sul.

"Meu bebê está entre a vida e a morte", lamentava Souza, que não tem informações sobre o atual estado de saúde de seu filho recém-nascido.

De acordo com a Defensoria Pública, cerca de 300 pessoas ocupavam http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/04/1613546-predio-da-empresa-de-eike-batista-e-invadido-por-moradores-de-rua-no-rio.shtml o Hilton Santos desde a semana passada.

Os ocupantes fazem parte do grupo remanescente de moradores de rua que invadiu em março deste ano um terreno da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), na zona portuária da cidade.

Com cartazes e cantos, pediam moradia. "Para que Olimpíadas se não temos moradia?", dizia um cartaz.

SOLUÇÃO

A prefeitura ofereceu aos ocupantes 130 vagas no abrigo de Santa Cruz, na zona oeste da cidade. Mas houve baixa adesão à proposta, pois os moradores consideram abrigos locais inseguros e pouco higiênicos.

Os cerca de 50 ocupantes que ainda estavam presentes nos arredores do edifício por volta das 11h pretendiam seguir para a prefeitura, onde querem exigir sua inclusão no programa de moradia popular.

Eliane Soares, 49, vendedora de cosméticos, era uma delas. Ela diz ter se inscrito no programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, em 2010, mas ainda não foi selecionada. Vive numa quitinete com o marido e a neta de cinco anos.

"De que me adianta ir para um abrigo se o que eu quero é moradia? Se a gente for para lá, vão esquecer de nós, e aí é que não vamos conseguir nada mesmo." Ela diz que os cerca de R$ 1.000 que ganha por mês não dão conta do pagamento de aluguel e despesas da família.

Na próxima quarta (15), haverá uma reunião da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos para buscar soluções para o problema de moradia dessas pessoas.

A Defensoria Pública entrou com um pedido de medida cautelar na noite desta segunda-feira (13) para tentar suspender a decisão da Justiça, favorável à reintegração de posse, mas não obteve êxito.

A Defensoria argumentou que não havia urgência para a reintegração pois o edifício está sem finalidade econômica.

"O prédio sempre esteve abandonado. O próprio clube notificou o locatário para que ele cuidasse da segurança e das condições do edifício. A reintegração de posse, da forma como está sendo feita, de maneira açodada, insensível, não tem o menor sentido pois o prédio não terá nenhum proveito econômico para o Flamengo ou quem quer que seja", afirmou João Helvécio de Carvalho, coordenador do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria.

"Tirar as pessoas daqui hoje significa impedir que a gente possa fazer pelo menos um cadastro para encaminhar uma solução administrativa. A solução é que o Estado e o município assumam seu papel de fomentadores de políticas de habitação para que essas pessoas possam ter ao menos uma expectativa de solução provisória para as suas vidas", completou ele.

Segundo Carvalho, o Instituto de Terras pediu prazo de 30 dias. "Nesse período, as pessoas permaneceriam no prédio, as autoridades fariam um cadastro autêntico, legítimo, correto, e cruzar os dados para sabem quem tem ou não, quem precisa ou não, para sabermos quem de fato precisa receber sua moradia. A sensibilidade do judiciário precisa se mostrar. A ideia não é que o prédio se torne a moradia dessas pessoas. A gente quer aproveitar este momento para discutir qual é a política que o Estado vai oferecer para essas pessoas."

As ações que pediram a integração de posse, uma da 36ª e outra da 47ª Vara Cível da Capital, foram propostas respectivamente pelo Flamengo, dono do edifício, e pela REX, a empresa imobiliária criada por Eike.

Situado no número 170 da avenida Rui Barbosa, o prédio de 24 andares e 148 apartamentos foi inaugurado em 1954, quando o metro quadrado mais valorizado da cidade estava no bairro do Flamengo. Cada apartamento tem entre 140 e 180 metros quadrados, além de uma vista panorâmica do Aterro do Flamengo.

Em 2011, Eike Batista arrendou o endereço, com o objetivo de transformá-lo no Hotel Parque do Flamengo, um cinco estrelas com 350 quartos. O plano da REX era inaugurar antes da Copa do Mundo. As obras, no entanto, nunca chegaram a começar.


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