Folha de S. Paulo


Condomínios pagam segurança para espantar moradores de rua em SP

Onde antes havia duas dezenas de moradores de rua, agora há só a rua. Ou quase.

Existe também um carro de vigilância privada 24 horas por dia no local. Com ele, dizem os sem-teto da região e movimentos sociais, é impossível permanecer por ali -na parte de baixo do viaduto Mofarrej, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo.

A saída dessa população do local foi resultado da ação da prefeitura que, antes do Carnaval, a retirou de lá.

Fabio Braga/Folhapress
Vigilante da Aster embaixo do viaduto Mofarrej
Vigilante da Aster embaixo do viaduto Mofarrej

A permanência dessas pessoas longe do viaduto, no entanto, é obra da segurança privada paga por condomínios e pela associação de bairro. O objetivo, segundo eles, é impedir a fixação de usuários de drogas no local. A Associação Vila Leopoldina diz que viciados tomaram lugar de sem-teto.

Quase R$ 40 mil foram pagos para afastar os moradores de rua. A vigilância é feita pela empresa Aster. Além do ponto embaixo do viaduto Mofarrej, outros dois carros da empresa ficam nas ruas Fröben e Baumann.

A Vila Leopoldina passou por forte expansão imobiliária na última década, com condomínios de alto padrão. Ao mesmo tempo, convive com uma pequena cracolândia próxima ao Ceagesp.

No bairro, a notícia da mudança do cenário urbano nesses locais se espalhou rápido. Tão rápido que despertou reações de membros de movimentos sociais, religiosos e até mesmo de vizinhos.

O temor é que esteja em marcha um processo de expulsão não só de usuários, mas também de moradores de rua -muitos deles trabalhadores informais do Ceagesp.

A medida é considerada higienista por alguns. "Eles foram espalhados. Essa segurança tem como objetivo impedir que eles se estabeleçam em alguns lugares do bairro", afirma o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua.

Bispo auxiliar de São Paulo e morador da região, Dom Julio Endi Akamine diz acompanhar o caso de perto.

Entre os moradores de rua, as queixas também se dirigem ao poder público. Segundo eles, o "rapa" teria se intensificado no último mês.

"Vê se dá para ficar aqui assim, desse jeito?", reclama Alcides Souza da Silva, 46, em frente ao que sobrou de seus pertences na marquise de um banco na esquina da rua Fröben com a av. Gastão Vidigal.

Fabio Braga/Folhapress
Segurança fica 24h por dia no local
Segurança fica 24h por dia no local

Segundo ele, se embaixo do viaduto da Mofarrej não é possível ficar pela ação da segurança privada, na Fröben, é a própria prefeitura que tem impedido sua permanência.

"Não sou 'nóia', não sou bêbado. Trabalho aí no Ceagesp faz 17 anos", queixa-se da prefeitura que havia poucas horas lhe tomara "três mudas de roupa", tudo o que tinha.

Ao seu lado, agitado, outro morador de rua estava inconformado. "Claro que não dá para ficar, eles te tocam mesmo. Vai lá para ver se eles não te tocam também", diz. "Os caras da prefeitura me deixaram só com essa roupa."

A gestão Fernando Haddad (PT) diz não ter identificado nenhuma conduta irregular.

CUSTO

A associação se reuniu na última semana para "viralizar" a ação entre condomínios e tentar garantir parte dos R$ 81 mil a serem pagos à Aster.

Não só moradores apóiam. Na ocasião, o dono de uma banca de jornais reclamou que com ruas inseguras, seu negócio também sofre.

Porém, ainda que os usuários sejam afastados, os moradores correm outro risco: de ter que se explicar à Justiça.

Para o promotor José Carlos Freitas (Urbanismo e Habitação), a ação da empresa de segurança -caso se comprove irregular -pode se enquadrar no crimes de usurpação de função pública e no de constrangimento ilegal.


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