Folha de S. Paulo


Padre frequenta motoclube e sai de colete de couro com caveira pelas ruas

De óculos escuros, capacete preto e colete de couro da mesma cor com uma caveira atrás, jeans e corrente no bolso, Natanael Pires, 42, começa a acelerar sua moto na garagem da casa onde vive em Pirituba (zona norte de SP).

Enquanto gira a manopla do acelerador, seu enorme anel de prata com a imagem de Nossa Senhora Aparecida vai para frente e para trás.

Ernesto Rodrigues/Folhapress
São Paulo - SP - Brasil - 27/03/2015 : Padre Motociclista ;Fotos do padre Natanael Pires, 42, que é pároco da igreja Nossa Senhora do Retiro, em Pirituba, e pertence a um motoclube cristão; ele vive passeando de Harley Davidson e usa roupas pretas de couro. ( Foto Ernesto Rodrigues/Folhapress.COTIDIANO).
Pároco da igreja Nossa Senhora do Retiro, em Pirituba, pertence a um motoclube cristão

Pelo controle do rádio, ele escolhe o que vai ouvir, Iron Maiden, banda britânica de rock. O som começa a sair do pequeno alto-falante ao mesmo tempo em que ele deixa a garagem pilotando sua Street Glide, uma Harley-Davidson que custa cerca de R$ 50 mil.

Do outro lado da calçada, um vizinho faz joia e grita: "Bom dia, padre! Eita, que esse padre roqueiro é massa!".

Morador há 42 anos da mesma rua onde vive o pároco da igreja Nossa Senhora do Retiro, Clison Francisco conta nunca ter visto um sacerdote andar de moto até Pires chegar à paróquia.

"Estou quebrando preconceitos. Para um sacerdote usar colete de couro com uma caveira estampada é preciso ter coragem, não acha? ", diz ele, que, em janeiro, rodou 9.000 km de moto de São Paulo até Natal (RN).

Exercendo o sacerdócio há 12 anos, nos últimos dois ele tem conciliado as atividades eclesiásticas com encontros semanais do In' Omertà, um clube de motocicletas Harley-Davidson que não aceita ateus, mas tampouco exige a religião católica para quem faz parte da "seita".

A agremiação, diz, é focada em trabalho social. "Ninguém vai lá só para andar de moto. Distribuímos cestas básicas, trabalhamos com dependentes químicos."

Lá e em outros motoclubes amigos, ele diz rezar missas e benzer coletes. "A moto virou um instrumento de evangelização. Não tem um lugar que eu vá que as pessoas não venham pedir uma palavra de Deus", afirma.

MOTOQUEIRO JAMAIS

Pires, que antes de optar pelo sacerdócio trabalhou em loja de lustres e em almoxarifado, conta que a paixão pelas motos começou na adolescência, em seu então bairro, o Campo Limpo (zona sul). "Pedia aos meus amigos que tinham moto para deixar eu andar. Foi assim que aprendi."

Quando foi ordenado padre, em 2003, comprou uma moto. "Aí, um dia vi uma Harley em exibição e fiquei doido. Comprei a primeira em 2006, juntando meu salário."

O padre motociclista conta não sair do sério no trânsito. O que o chateia mais que qualquer congestionamento é ser chamado de motoqueiro. "Motoqueiro é indisciplinado, fica empinando a moto, cai, e o padre é que tem que ir lá rezar por ele."

Ao retornar do passeio, Pires estaciona a Harley sob o olhar do irmão Ronaldo. Também aficionado por motos, ele diz que o padre nunca o deixou dar uma volta na dele. "Moto não se empresta", desconversa o pároco, em meio a risos.


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