Folha de S. Paulo


Moradores têm pomar e galinhas em comunidade 'verde' de Los Angeles

Uma pequena plantação suspensa de ervilhas chama a atenção de quem caminha pela calçada. Um homem que cuida do jardim apertado, em frente ao seu apartamento, puxa conversa e tira uma vagem do pé para eu experimentar. Papo vem, papo vai, uma cenoura e um rabanete surgem da terra. Ele limpa num balde com água e me dá para comer. A cenoura é incrivelmente doce.

Nem dá para acreditar que estamos em Los Angeles, a uma quadra de uma tumultuada avenida do bairro Koreatown, dominado por coreanos, filipinos e mexicanos.

O jardim é apenas uma amostra do que aguarda o visitante no pátio do prédio de dois andares, um verdadeiro oásis com direito a mamoeiros, macieiras, abacateiros, pés de uva, ervas mil e muitas folhagens para saladas.

Fernanda Ezabella/Folhapress
Lois Arkin, 78, fundadora da L.A. Eco-Village, que funciona em prédios de Los Angeles
Lois Arkin, 78, fundadora da L.A. Eco-Village, que funciona em prédios de Los Angeles

O edifício é o centro da Los Angeles Eco-Village, comunidade que existe há 20 anos para pessoas que querem levar uma vida mais ecológica e colaborativa, ajudando a desenvolver e ensinar projetos sustentáveis, como medidas para economizar água.

Há diversas ecovilas pelo mundo, mas raras são as que se mantêm em centros urbanos. A LAEV usa outros dois prédios em dois quarteirões contíguos, uma área ocupada também por casas, uma igreja e três mecânicas, para desespero da fundadora da comunidade, a americana Lois Arkin, 78, uma entusiasta das bicicletas que nasceu e cresceu em Detroit.

"Nossa visão sempre foi ter todos os nossos vizinhos como parte da ecovila. Achávamos que aconteceria com os anos, mas infelizmente não foi assim", disse Arkin, que vive no bairro há 34 anos e liderou os esforços para arrecadar US$ 500 mil (R$ 1,35 milhão) para comprar o primeiro imóvel da LAEV, em 1996.

"Tenho planos firmes na minha cabeça de me livrar destas mecânicas. Elas estavam aqui antes de a gente chegar, são negócios que empregam gente, então não é fácil", continuou, num passeio pela região, enquanto beliscava folhas das plantações nas calçadas e cumprimentava os transeuntes na rua.

Os 50 apartamentos da LAEV, administrados por organizações sem fins lucrativos, são alugados por até metade do preço de mercado (quem não tem carro ganha desconto) e geram cerca de US$ 25 mil por mês, gastos em manutenção, salários e impostos. Os mais de 30 membros são ecléticos, de várias idades, etnias e rendas.

Há famílias com filhos, como a de Jimmy Lizama, 38, criador do primeiro Bicycle Kitchen, projeto multiplicado pelo mundo. Numa das garagens da vila, ele criou uma oficina para ensinar a consertar bicicletas, em reuniões regadas a bebidas e pizzas feitas em seu forno.

Outra atividade que desenvolveu na LAEV foi uma marca de café orgânico, importado de comunidades da Guatemala e torrado na ecovila.

AUTOSSUFICIÊNCIA

Apesar das plantações generosas, sem contar as galinhas e colmeias, a ecovila está longe de ser autossuficiente e recebe carregamentos de fornecedores e fazendas das proximidades. Baldes de cereais, café e macarrão, além de papel higiênico, são mantidos numa despensa que abastece os moradores, que pagam pelo que consomem.

"Percebi que aqui poderia viver em maior harmonia com a natureza, mesmo estando dentro da cidade", disse Lara Morisson, 64, moradora da vila há 16 anos e organizadora de um jardim visitado por escolas. "Sinto falta de batata doce e, quando não está na época de colher as nossas, vou ao supermercado. Não tem problema."


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