Folha de S. Paulo


Israel usa esgoto e água do mar para garantir abastecimento

Poderia ser uma variação da fábula da cigarra e da formiga: um país rico em recursos hídricos esbanja água por décadas. Outro, em uma região seca, economiza. A moral da história, neste início de ano, parece óbvia.

Com a crise de abastecimento enfrentada hoje por São Paulo, outrora acostumada à abundância, a cidade pode pedir conselhos a Israel. Ali, a escassez de água empurrou governo e cientistas a buscar suas soluções.

Encravado em uma região próxima ao deserto do Saara e à península Arábica, Israel consome 2,1 trilhões de litros de água ao ano –o Estado de São Paulo consome 4,5 trilhões por ano.

Mas os recursos naturais de Israel só garantem por ano, hoje, 0,75 trilhão de litros cúbicos de água. Assim, estranha a afirmação de Avner Adin, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, que diz em entrevista à Folha: "Em Israel, hoje nós temos bastante água".

Isso porque o país, nas últimas décadas, investiu em tecnologias. Como resultado, Israel recicla 80% de seu esgoto e dessaliniza o suficiente para garantir 25% do consumo. Ninguém fica sem água.

"Aprendemos na escola que a água evapora, vira nuvem, chove e se acumula nas reservas subterrâneas. Agora temos outras fontes, como esgoto", afirma o professor Adin, que é também fundador de uma consultoria.

A tecnologia que garante os avanços não é barata. O sucesso israelense no setor, segundo Adin, é o resultado de uma cooperação entre o governo, o setor privado e a academia.

Editoria de Arte/Folhapress
ÁGUA NO DESERTOEm uma região árida, Israel é conhecido pelasinovações no bom uso (e reúso) da água

As usinas de dessalinização são construídas e operadas pelo setor privado. Após um período, as instalações ou são entregues ao governo, ou esse contrato é renovado.

"É caro, mas os avanços e a competição entre as empresas levou à queda no preço", diz. Se, no ano 2000, mil litros de água dessalinizada custava US$ 1,5, hoje é US$ 0,60.

A água dessalinizada ainda é mais cara do que a retirada, por exemplo, do mar da Galileia -que custa 70% do valor de sua versão sem sal.

A escassez é quem faz fluir, ali, a criatividade. "Precisamos inovar, já que não temos o bastante", diz Adin.

Escasso, o recurso é razão de conflitos regionais. A distribuição de água é política também, no atrito entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina. Parte das reservas israelenses nasce em países inimigos, como o Líbano.

O Brasil, onde a água parece abundante, precisa encontrar suas soluções, diz. "Precisa olhar para dentro de si e perguntar-se se o governo está investindo na indústria da água como prioridade."

O consumo também precisa ser reduzido. Na indústria, a economia pode ser feita com a reciclagem da água, por exemplo. Na agricultura, com a irrigação por gotejamento -desenvolvida, aliás, em Israel. Nas casas, com a educação e a conscientização.

VAZAMENTOS

Com todo o investimento na reciclagem e dessalinização de água, não adiantaria ver, em seguida, o líquido indo embora por vazamentos no sistema de distribuição. Assim, Israel investe também em tecnologias para o controle desse desperdício.

Hoje, o país vê apenas de 5% a 10% de sua água vazar. Em São Paulo, incluindo ligações clandestinas, o desperdício está em 34,3%.

"Em Israel, não permitimos que o sistema perca nada", diz à Folha Shimon Constante, vice-presidente regional da empresa israelense Miya, uma das firmas do país que podem encontrar um nicho na crise hídrica paulistana.

A expansão é parte do plano de Israel. O programa do governo NewTech tem como missão promover técnicas israelenses para a água e as energias sustentáveis ao redor do mundo, incentivando empresas.
Entre seus projetos, a Miya trocou medidores de uso de água, combateu conexões ilegais e fez conscientização em escolas.

"Estou no Brasil há seis meses. As pessoas gastam muita água aqui. Há uma diferença cultural, porque não existe a sensação de escassez que há em Israel."

"Em Israel, muito dinheiro é gasto pelo governo para educar e regular o setor", diz. "No Brasil, é visto como um 'investimento'. Mas a situação muda quando há escassez. As empresas não querem investir para trocar os seus canos, mas não há opção."


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