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Júri simulado absolve ré em caso de aborto fictício denunciado por médico

Fabio Braga/Folhapress
Aluno interpreta médico que denunciou jovem em júri simulado; ele diz ter tido medo de ser criminalizado
Aluno interpreta médico que chamou a polícia para jovem; ele diz ter tido medo de ser criminalizado

Após o caso real revelado pela Folha de uma jovem de 19 anos que saiu presa do hospital depois de ser denunciada pelo médico que a socorreu de hemorragia pós-aborto, a Faculdade de Direito da USP realizou um júri simulado nesta sexta-feira (27) com uma aluna representando uma ré em situação similar.

O aborto é crime no Brasil, exceto em casos como risco à mãe. No caso fictício do júri, no entanto, a ré foi absolvida.

Na representação, a ré realizou aborto em casa, com agulha de crochê, e foi encontrada pelo irmão, que a levou ao hospital. Como no caso real, a jovem foi denunciada pelo médico que a atendeu.

A defesa ficou a cargo da advogada criminalista Luiza Nagib Eluf. O promotor aposentado Roberto Tardelli fez a acusação. A sessão foi presidida pelo juiz Roberto Luiz Corcioli Filho. Jurados, testemunhas e ré foram representados por alunos.

DEPOIMENTOS

O médico fictício que fez a denúncia diz que decidiu chamar a polícia por temer ser responsabilizado pelo crime. O mesmo argumento é apresentado quando questionado sobre a eventual violação do sigilo profissional.

A ré alegou que não tinha condições financeiras para ter um filho e que, por isso, decidiu interromper a gravidez. Confrontada pelo promotor, ela afirmou não se arrepender do que fez.

A acusação argumenta que a decisão da ré foi individualista. "Sempre existe uma outra possibilidade. E há uma possibilidade para o aborto", diz Tardelli.

"Quando a sociedade opta pela vida, precisamos repelir a morte. A medicina é a preservação da vida e ela é nosso oxigênio. Quando estamos diante da suspensão da vida, precisamos refletir", afirma o promotor.

A defesa levantou dúvidas sobre o fato. "O senhor encontrou vestígio de embrião, óvulo?", pergunta ao médico a advogada Luiza Eluf. "Não", responde o médico.

"A agulha de crochê é pequena e por isso um instrumento inapto. Não há certeza do ato", diz a advogada, que afirma não ser a favor do aborto, mas contra a sua proibição.

A proibição, segundo ela, é uma forma de penalizar só a mulher. "A lei prevê o aborto em casos de sexo não consentido, mas quando a mulher quer, ela deve pagar. E por que isso acontece?", questiona.

Ao final dos depoimentos, o juiz pergunta se os jurados entendem que houve o fato, o aborto. Dos alunos que interpretam os jurados, seis consideram que não houve aborto e um responde que sim. O juiz explica que, por essa razão, a ré é absolvida.

No caso real, a jovem foi autuada em flagrante e liberada após pagar R$ 1.000 de fiança. Se condenada, poderá ficar até três anos na prisão.


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