Folha de S. Paulo


Sem segurança, médico larga emprego em posto de saúde após ser assaltado

Ernesto Rodrigues - 29.jan.2015/Folhapress
O médico que foi assalto em frente ao posto de saúde que trabalhava
O médico que foi assalto em frente ao posto de saúde que trabalhava

Só sobrou o estetoscópio no pescoço na manhã em que Willian José de Oliveira, 29, médico da família, chegava à UBS (Unidade Básica de Saúde) do Jardim Helian, zona leste.

Rendido por três homens à mão armada enquanto estacionava carro em uma rua em frente ao posto, ficou sem o veículo, documentos e prontuários.

Willian pediu transferência, deixou de visitar pacientes que acompanhava e não voltou mais à unidade.

O cenário, segundo o médico, é comum entre colegas que trabalham na periferia. Profissionais trocam de hospital para evitar novas ocorrências ou negociam com traficantes e bandidos para poderem trabalhar.

Todo a violência, diz Willian, dificulta o trabalho dos profissionais de saúde e principalmente do médico da família, que depende de uma boa relação com a comunidade para realizar visitas aos pacientes. Leia o seu depoimento:

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Eu trabalhava nesta unidade de saúde há três anos. Sou de Goiânia, Goiás. Sou médico da família e, quando trabalhamos em unidades básicas de saúde na periferia, ganhamos adicional por insalubridade, difícil acesso e distância. Também sou casado. Vivo com minha esposa, filha e enteado.

O trabalho de médico da família leva tempo para ser desenvolvido. É preciso conhecer as circunstâncias em que cada um vive. Eu faço visitas às residências e chego a cuidar de famílias inteiras. Você faz o pré-natal da filha, cuida da diabetes da mãe, da avó e também é o pediatra do neto.

Para os idosos que não conseguem sair de casa ou da cama, as visitas são mais frequentes. Dá para saber, por exemplo, se há umidade e fazer sugestões viáveis para o ambiente.

Todo o bairro me conhecia. Essa proximidade, porém, não me ajudou quando um grupo de fora dali passou a assaltar a região. Fui assaltado às 7h no final de novembro.

A UBS não tem estacionamento, então, é necessário procurar vagas nas ruas próximas. Eu consegui estacionar em frente. Quando parei, três homens me abordaram. Eu tentei negociar. Disse que tinha pacientes me esperando. Não adiantou.

Colocaram a arma na minha cabeça. "Atira logo nesse cara aí e vamos embora", disse um deles.

Tentei pegar documentos e não consegui. Só saí com o estetoscópio. Crachá, jaleco, carteira... tudo ficou no carro.

O segurança da UBS só cuida do patrimônio da unidade. Se há cadeiras quebradas, por exemplo. Não há uma equipe de seguranças na frente para esse tipo de ocorrência.

Aos 15 anos, passei por situação parecida. Minha mãe vendia roupa e tinha saído para pegar um dinheiro. Eu fiquei no carro sozinho, quando um homem levou o veículo comigo dentro. Pulei do carro em movimento. Fiquei um ano na terapia por conta disso.

Depois do que aconteceu, todas as sensações daquela época voltaram. Ficava tenso dentro do carro. Peguei uma licença e tirei férias de final de ano logo depois. Pensei que daria para voltar.

Mas, ao estacionar o carro na mesma rua em janeiro, senti palpitação, taquicardia. Na mesma hora, entreguei o crachá, pedi transferência, e não voltei mais.

Eu já tinha ouvido falar de relatos de outros médicos que, assaltados ou, em meio a pontos de drogas, tiveram que negociar com bandidos para poderem realizar o trabalho. Nunca fiz isso e não queria isso pra mim.

Hoje, a cada dia estou em um hospital diferente. Os pacientes de lá ainda me procuram. Não sei o que poderia ser feito para mudar essa situação. Talvez mais seguranças e um estacionamento.

Mas não sei se essas medidas fariam diferença, nem o pedido de transferência. A gente tenta evitar, mas não adianta, é um ciclo que está além de qualquer providência individual. O médico que agora ocupa o meu lugar no Jardim Helian lá está porque foi ameaçado em uma outra unidade onde trabalhava e pediu transferência.


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