Folha de S. Paulo


Cientistas reclamam da falta de ação dos governos contra a crise da água

Três meses depois de cientistas elaborarem uma carta destinada às autoridades pedindo providências e dando sugestões para a crise hídrica no Sudeste, o poder público ainda não se alinhou à academia para resolver o problema da escassez de água no país.

É o que acreditam pesquisadores que participaram nesta quinta-feira (12) de um debate na Academia Brasileira de Ciência, no Rio.

Em novembro do ano passado, 15 cientistas elaboraram a "Carta de São Paulo" em que pediam mais transparência do poder público, medidas de curto prazo para reduzir o consumo e ações de longo prazo para que o país não passe por uma outra crise numa próxima estiagem. O documento foi entregue para os governos dos Estados de São Paulo, Rio e Minas.

"Nem um sinal de fumaça foi enviado [como resposta]", disse a bióloga Sandra Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ. "O que mais precisa acontecer? Todos os cenários mostram que não estamos saindo de uma crise e sim entrando cada vez mais nela. O país tem condição técnica para resolver isso. Falta quem toma as decisões ouvir a academia".

O chefe do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, Paulo Canedo, sugere uma redução de 15% no consumo de água em todo o país, principalmente no Sudeste. Ele criticou a falta de direcionamento dos governantes em, além de alertar para a situação, explicar às pessoas como economizar. Em geral, disse, as autoridades fazem um apelo genérico à população que tem pouco resultado prático.

"Um maestro olha para a orquestra e diz simplesmente 'toca aí'. Ele dá os tons da música, os tempos e quais instrumentos devem ou não ser tocados. Eu acordo todo dia esperando ordens. Eu estou ansioso por elas", disse.

Canedo falava sobre a situação hídrica do Rio de Janeiro, hoje menos grave do que a de São Paulo, porém se caminhando para um problema maior, já que o nível dos quatro reservatórios que abastecem o Estado estão muito baixos.

Segundo Canedo, no nível em que os reservatórios do Rio de Janeiro estão e com a vazão atual da água que verte para o consumo, de 140 metros cúbicos por segundo, poderá haver falta d'água até o ano que vem. Atualmente, segundo a ANA (Agência Nacional de Água) a soma dos quatro reservatórios do rio Paraíba do Sul está em nível de 3,4%.

"O problema é que os governantes chegam até a situação mais crítica para tomar medidas. A questão é que agora já está havendo problema. Não dá para esperar a pessoa quase morrer para começar a tomar remédio".

O temor dos pesquisadores é que tenha que se chegar a medidas drásticas como o racionamento, em estudo no Estado de São Paulo, mas que pode vir a ser realidade em outros Estados do Sudeste.

A bióloga Sandra Azevedo disse que pessoalmente é contra um racionamento. Ela explicou que quando se restringe o abastecimento de determinadas áreas da cidade, os pontos que ficam no final das linhas de poderão ficar com o abastecimento ainda mais prejudicado.

Quem viver em áreas centrais, no dia em que receber água, irá consumi-la ao máximo, estocando-a em baldes e caixas d'água. Isso fará rarear o restante da água que deveria seguir pelos canos até áreas mais distantes.

Além disso, afirma, com a redução da pressão da água nas tubulações há a maior probabilidade de infiltrações e a qualidade da água que irá para as casas será muito pior, o que pode levar ao aumento de doenças como diarreias e hepatites.

O pesquisador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) José Antônio Marengo lembrou do alerta do instituto que se não chover acima da média em fevereiro, os reservatórios do sistema Cantareira, que abastece São Paulo, irão secar em julho. Segundo Marengo, mesmo que chova 50% acima da média em fevereiro, o sistema Cantareira irá secar depois de dois meses do início do período seco, que começa a partir de abril.

Como o sistema de geração de energia também é um dos maiores consumidores de água do país, o diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, sugeriu mudança no uso dos aparelhos de ar-condicionado, em que seja estipulada uma temperatura fixa para os ambientes refrigerados de 25ºC.


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