Folha de S. Paulo


Após acidente de carro, engenheiro viaja para 75 países de muletas

Após passar quatro anos na cama se recuperando de um acidente de carro no qual quase perdeu a perna esquerda, o engenheiro agrônomo Luiz Thadeu Nunes e Silva, 56, de São Luís (MA), resolveu percorrer o mundo com suas muletas.

Casado desde 1983 com uma colega de turma de faculdade (que não o acompanha "por trabalhar muito") e pai de dois filhos, ele afirma já ter pisado em 75 países desde 2008. Sua meta é conhecer de 120 a 150. "Em dez anos dá pra fazer isso", diz.

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Há 11 anos, estava num táxi. Havia perdido o ônibus de Natal (RN) a Fortaleza (CE) e, aqui no Nordeste, tem táxi que passa na BR pegando as pessoas. Fui no banco de trás, conversando com uma moça.

Perto da cidade de Assú (a 207 km de Natal), o motorista foi atender o celular. Batemos de frente numa Scania.

Albani Ramos / Folhapress
Luiz Thadeu, que, em uma semana, visitou os extremos das Américas
Luiz Thadeu, que, em uma semana, visitou os extremos das Américas

Acordei no assoalho de uma camionete, sendo levado para Natal. Estava usando o cinto, mas, com a pancada, o banco da frente correu e quebrou a minha perna. Tive fratura exposta no fêmur.

O motorista sofreu apenas ferimentos leves. A moça se feriu gravemente e teve problemas psicológicos depois.

Passei quatro anos em cima de uma cama. Por causa de uma osteomielite (infecção), fui 43 vezes ao centro cirúrgico. Os médicos conversaram comigo: "A sua perna esquerda vai ficar sem função. Não seria melhor amputá-la?" Não permiti.

Fiquei um ano sem olhar a minha perna. Usava aqueles ferros medievais para o osso crescer. Todo dia meu filho apertava o parafuso, e crescia um milímetro por dia.

De 2008 para cá, depois que tirei os ferros, comecei a andar pelo mundo. Eu me locomovo com muletas. Percebi que dá para viajar sem ficar em casa como coitadinho.

Na Finlândia, conheci um cego que mora sozinho com um labrador e viaja o mundo. Meus problemas são pequenos diante dos dos outros.

Antes, conhecia três países. Agora, estou indo para o sexto passaporte. Já pisei em 75. Quero conhecer de 120 a 150. Acredito que, em dez anos, dê para fazer isso.

Eu sempre dizia para o meu pai: "Terra: aproveite enquanto estiver em cima dela".

Hoje, vivo atrás de passagem barata. Após 34 anos como perito federal agrário, estou em vias de me aposentar. O nome do cargo é bonito, o dinheiro é que é pouco. Tudo o que sobra é para viajar.

Em setembro de 2014, fui a Ushuaia, o último ponto habitável da América do Sul. Uma semana depois, fui para o último lugar onde existe gente na América do Norte, que é Barrow, no Alasca.

Minha mulher trabalha muito e não gosta de viajar tanto quanto eu. Viajo com um dos meus filhos ou só.

MÍMICA

No ano passado, fui sozinho para o Líbano. Na imigração, fiquei uma hora explicando com meu inglês fajuto e com mímica o que faria lá.

Quando disse que era brasileiro, abriram minha mala. "Cadê a droga?" ''No droga", eu disse. Começaram a me dar água: quatro copos para saber se eu era "mula".

Quando me apertaram, tive um acesso de riso. Vou urinar aqui com o cara apertando a minha barriga. "Bota a língua para fora." A loucura tinha chegado ao ápice. Vão me deportar, pensei, mas vou dizer que eu pisei no Líbano.

Ligaram para o hotel e confirmaram a minha reserva lá.

Na semana que vem, irei para a Rússia. Enquanto estiverem pulando o Carnaval, estarei com muletas na neve.

Em junho, passarei pelos cinco continentes e tomarei banho em todos os oceanos.

Uma vez me perguntaram: "Por que você viaja tanto?" Pago uma promessa. Enquanto tiver lugar neste mundo para conhecer, vou conhecer.


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