Folha de S. Paulo


Repórter antecipa rodízio e passa cinco dias sem água; veja vídeo

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Esquecer 2.000 anos de civilização em uma semana não é tarefa fácil para o homem moderno. Por isso, quando o governo cogitou que o paulistano pudesse ficar cinco dias sem água, me lembrei dos aquedutos romanos, que, AC (antes de Cristo), já rolavam águas para dentro das construções.

Em outras eras, estávamos resumidos a carregar o líquido em ânforas, a equilibrar cerâmicas transbordando, a nos lavar com alguns milímetros cúbicos, a esfregar a roupa nos riachos, e, com exceção deste último, tudo isso aconteceu comigo nesta semana, quando aceitei fazer o teste do Alckmin: cinco dias sem água, dois com.

O primeiro dia foi o de acumular. Morando sozinho, tratei de encher quatro panelas, duas bacias e meu único balde. Comprei dois galões de água mineral de 6,25 litros (a R$ 10 cada). Parecia muito pouco para uma semana. De cara, decidi que, lavar roupa, só no fim de semana.

Resolvi ainda ser radical com a natureza, como ela estava sendo comigo: esvaziei meu coletor de lixo reciclável (joguei fora com o lixo comum, um pecado) e o preenchi com 120 litros da puríssima H2O da Cantareira.

AFLUXO

O segundo dia foi de descoberta. Como tinha sido avarento no acúmulo, não tive medo da seca. Mas lavar as mãos na bacia e escovar os dentes com copinho foram de um desconforto milenar. A torrente jorrando da torneira é digna de Vinicius de Moraes: só percebemos a falta que faz quando a perdemos.

Espertinho, tratei de levar roupas e toalha à academia e tomei banho lá mesmo. O dono disse que sou único com tais ideias por ora. Mas que espera para breve um grande afluxo em seu banheiro.

De noite, o gato branco subiu lépido na pia (donos de gatos saberão que alguns deles teimam em só tomar água em torneiras). Foi triste explicar ao Gasparzinho que ele não veria as gotinhas tão cedo. Já Vudu, o preto, sofreu menos: sabe-se lá por que, nunca bebeu no banheiro; prefere o bebedouro felino.

DIDI MOCÓ

Não lembro em qual filme (mas suspeito ter sido em "Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão", que assisti sete vezes no cinema em 1977, aos sete anos) que Didi Mocó, o eterno pobretão, toma banho usando como chuveiro uma lata furada por pregos. Senti que era a hora certa de realizar esse sonho e comprei um balde de R$ 4,99 no mercado.

Em casa, engatilhei minha furadeira e fiz uns 20 furos no plástico verde musgo. Cometi um erro crasso: usei uma broca 10, e os buracos ficaram grandes demais. Enganchei o balde no alto do chuveiro, subi em uma banqueta e enchi.

O líquido vazou todo em oito segundos. Fracasso! O correto teria sido usar uma broca bem mais fina, a número 4, talvez. Mesmo assim, enchi duas vezes o vasilhame (usando uma banqueta) e, correndo para baixo da engenhoca, consegui pegar a ducha. Na primeira, me molhei. Na segunda, tirei a espuma, após o ensaboamento.

Fui dormir com uma espécie de casca seca de sabonete no corpo.

ÚLTIMO BANHO

O quinto dia foi irônico. Caíram o que me pareceram duas tempestades no centro de São Paulo e tive vontade de cancelar essa matéria. O sistema Cantareira teve três altas consecutivas e me senti um tanto desmoralizado.

Para o último banho, achei por bem mudar a engenharia: acoplei um regador ao topo do chuveiro e fui, calmamente, puxando sua boca para baixo, de forma que uma duchinha se formasse sobre minha cabeça.

Sucesso! Foi bastante simples, e recomendo fazer isso em casa quando nossa terra estiver ainda mais próxima do futuro pós-apocalíptico de Mad Max.

Mas, neste domingo, teremos água de novo, espero.

Graças aos nossos amigos romanos.


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