Folha de S. Paulo


Opinião: O problema da palavra 'gringo'

Quando vou a uma festa e digo a um brasileiro que vivo no Rio há mais de três décadas, a maior parte do tempo casado com uma piauiense com dois filhos, ele geralmente diz: "Ah, então você já é brasileiro", ou "ah, então você já é carioca". Mas se alguém na mesma festa pergunta a esse brasileiro quem sou, ele invariavelmente responde que sou um gringo.

Mas esse brasileiro não estava sendo nem contraditório nem dissimulado. Ele apenas representa uma cultura cujos dois lados distintos, o inclusivo e o excludente, estão presentes dentro de cada brasileiro.

Os brasileiros, especialmente os cariocas, são um dos povos mais calorosos e hospitaleiros do mundo. Eles fazem o estrangeiro sentir-se em casa imediatamente, mas não tão em casa a ponto de incluí-lo completamente em sua tribo.

Essa é uma razão pela qual a palavra "gringo", que ilustra o lado excludente desse povo, é um termo pejorativo. Ela define alguém como sendo "o outro", de uma maneira depreciativa. Basta comparar a carga negativa da palavra "gringo" com a carga neutra da palavra "estrangeiro".

A mania de chamar estrangeiros de gringos está no DNA desse povo. De acordo com a Wikipédia, embora o termo "gringo" seja usado em muitos países de língua espanhola e portuguesa, é empregado com mais frequência no Brasil, e muitas vezes "de modo depreciativo".

Se, por um exemplo, um brasileiro me ouve reclamando deste país (um dos passatempos preferidos dos brasileiros, mesmo que seja apenas para desabafar sobre uma fila quilométrica), ele pode reagir dizendo "se você não gosta deste país, volte para sua terra, gringo".

É verdade que os cidadãos da maioria dos países ficam indignados quando ouvem um estrangeiro criticar seu país. Mas, com poucas exceções, a maioria dos povos, tirando os dos países de língua espanhola e portuguesa, não inventaram um termo de gíria que designa "estrangeiro" e carrega uma carga depreciativa.

Ou, como disse o jornalista sueco Henrik Brandão Jönsson num ensaio do livro "Palavra de Gringo" (2014), uma coletânea de crônicas sobre o Brasil escrita por dez estrangeiros: "Apesar dos casos de racismo nos Estados Unidos e na Europa, seria impossível juntar os estrangeiros e chamá-los de 'gringos'... Mas numa nação de imigrantes como é o Brasil, a situação é aceitável."

A palavra "gringo" é usada frequentemente aqui no rádio, nos jornais ou na televisão. E, como ela virou uma parte tão integral do vocabulário e da cultura do Brasil, muitos estrangeiros que aqui vivem também se descrevem como "gringos", inclusive alguns cronistas estrangeiros em "Palavra de Gringo".

Mas alguns estrangeiros, ao invés de abraçar a palavra, sentem-se amesquinhados e marginalizados por ela, mesmo quando seu uso pejorativo é sutil e não pretendido. É o caso especialmente de americanos, como eu, que argumentam que a palavra às vezes é usada para evocar fortes sentimentos antiamericanos que ainda existem aqui (uma reação ao imperialismo dos Estados Unidos).

Um amigo americano meu se incomodou ao ser descrito desse modo por um médico carioca que, durante uma consulta, recebeu um telefonema e disse: "Sim, mas não posso falar muito porque estou em atendimento com um gringo".

O médico amesquinhou e marginalizou meu amigo ao empregar um rótulo que o definiu como "o outro", não como "o paciente", que é como meu amigo se definiu, dentro daquele contexto médico. É esse o problema. As pessoas deveriam definir (e chamar) você como você quer ser definido (e chamado), não como elas querem definir e chamá-lo.

No Brasil, orientais —sejam eles chineses, vietnamitas ou coreanos— se ofendem ao ser chamados de "japas", do mesmo modo como árabes —quer sejam sírios, egípcios ou libaneses— se ofendem ao ser rotulados de "turcos". No entanto, muitos brasileiros também incluíram esses termos discriminatórios em seu vocabulário.

O fato de eu ser rotulado como "gringo" me incomoda porque representa de modo incorreto o lugar que ocupo nesta sociedade. O termo não me diferencia (sendo que vivo aqui há 32 anos) de um turista estrangeiro que chegou ao país ontem. É como se os brasileiros não me dessem crédito algum por ter abraçado sua cultura e se assimilado parcialmente a ela.

Embora eu me defina como um híbrido cultural, um americano abrasileirado, aqui eu frequentemente sou tratado como cidadão de segunda classe. Mesmo para os poucos que me incluíram em sua tribo, sou um membro adotado e marginalizado, razão pela qual meu lugar é na periferia da tribo.

Como é que eu sei disso? Quando, estando entre amigos cariocas, eu me junto ao coro de reclamações sobre o cotidiano da "Cidade Maravilhosa", de vez em quando ouço alguém retrucar: "Coisa do gringo".

MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 32 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos" (Record)

Tradução de CLARA ALLAIN


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