Folha de S. Paulo


Caso de professor abre debate sobre assédio na internet

Qual o limite entre sedução e assédio? E que tipo de ingrediente a comunicação instantânea, via chats e aplicativos, adiciona a essa equação?

No último mês, um caso gerou muito debate e poucas conclusões na internet ao aferventar essas e outras questões.

O professor brasileiro de literatura na Universidade de Tulane (EUA), Idelber Avelar, foi objeto de denúncias de duas mulheres, que divulgaram diálogos de forte teor sexual travados com ele via Facebook. Uma terceira mulher chegou a engrossar o coro, mas retirou o relato.

Em comum, todas admiravam as ideias do professor, que articula textos de perfil de esquerda e pró-feminista em seu blog. Também viraram suas "amigas" no Facebook.

Anonimamente, essas mulheres —uma tinha 15 anos à época dos diálogos— relataram que foram abordadas em chats privados com elogios e, aos poucos, a conversa mudou de rumo.

A maior de idade que manteve o relato diz que Avelar lhe enviou uma foto de seu pênis, seguida de diálogos ora insinuantes ora explícitos. Eles foram reproduzidos em um blog. Termos como "puta" e "vagabunda" surgem nas falas de Avelar, "safado" é utilizado em réplicas.

Contatadas pela Folha, as duas mulheres não quiseram falar sobre o assunto.

Após as mensagens, mantiveram contato com Avelar. Dizem sentirem-se vítimas de abuso, o que provocou um racha entre feministas: parte as viu como vítimas, parte como protagonistas arrependidas.

Em nota, o professor disse ser alvo de perseguição política e estar processando os responsáveis pelo que considera violação de privacidade e difamação. Segundo a Universidade de Tulane, não há denúncia contra ele no âmbito universitário.

Lola Aronovich, professora na Universidade Federal do Ceará e primeira a postar a denúncia, afirma que o assunto foi ignorado em muitas publicações virtuais feministas porque há um pacto de silêncio para preservar a ex-companheira de Avelar.

Procurada, a ex-namorada do professor, advogada com trabalhos sobre assédio sexual, respondeu que os diálogos "são assuntos privados" e respeita "as pessoas envolvidas". Ela não autorizou a publicação de seu nome.

Quem saiu em defesa das mulheres foi acusada de "moralista" e "misândrica" (que odeia ou despreza homens).

Para alguns, criticar Avelar seria um retrocesso na luta feminista, que quer colocar a mulher como protagonista do próprio desejo e não vítima do desejo masculino.

ASSÉDIO?

O Código Penal atrela assédio sexual à esfera profissional: o agente tem que ser "superior hierárquico" ou ter "ascendência" sobre o cargo para que haja crime.

Para a advogada especialista em direito digital Samara Schuch Bueno, o crime de assédio existe na internet, mas tem de obedecer à lei, ou seja, ao ambiente hierárquico acadêmico-profissional.

No caso do envio de imagem dos genitais, o crime de ato obsceno precisa ser praticado em local público.

Fora do âmbito legal, a sexóloga Regina Navarro Lins avalia que assédio é qualquer coisa em que "uma parte diz ou manifesta um 'não' e a outra parte continua insistindo".

COISA FEIA

"O desejo não é bonito", diz o psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris. Para ele, o problema de jogos sexuais privados se tornarem públicos é que, aos olhos de quem não está erotizado por aquilo, parece violência.

Para Aronovitch, porém, há uma inversão de papéis. "A sociedade adota o discurso de 'denuncie sempre', mas, quando há denúncias, a reação é sempre desmerecê-las. E as vítimas acabam sendo culpadas."


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