Folha de S. Paulo


Com faxinas e guardas, barracos viram favela móvel na cracolândia

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São 15h22 e a "favelinha" da cracolândia ferve em plena Luz, centro de São Paulo. A chegada de guardas municipais e funcionários da limpeza urbana da prefeitura provoca uma brusca mudança do cenário –uma área de 600 m², entre a alameda Cleveland e a rua Helvétia, que recebe "um banho".

Imediatamente, os viciados que até então vendiam e consumiam pedras de crack começam um mutirão de desmontagem dos barracos.

O vaivém de craqueiros dá espaço ao dos garis, que passam varrendo a área e despejando um forte jato de água (de reúso) em seguida.

Logo após a limpeza, os "noias" que desmontaram suas barracas voltam ao local para a reconstrução do mesmo cenário. Às 16h, lá estão as barracas de novo.

Todo dia é assim. Em 38 minutos, a "favelinha" do crack some e renasce à beira de cartões postais da cidade, como a estação Júlio Prestes e a Sala São Paulo.

ENXUGANDO GELO

Para a prefeitura, as lonas que cobrem os barracos servem também de proteção ao tráfico de drogas intenso, desde que "traficantes barra-pesada" se apropriaram da área há cerca de dois meses.

A situação, segundo a gestão municipal, dificulta o trabalho de assistentes sociais que buscam levar dependentes químicos ao programa "Braços Abertos" -que oferece trabalho e moradia.

A favela móvel passa por duas faxinas diárias –uma nas primeiras horas da manhã e outra no meio da tarde.

Duas delas, presenciadas pela Folha nos últimos dias, revelaram o que moradores de prédios vizinhos chamam de operação "enxuga gelo" e a prefeitura classifica como processo de limpeza, parte de um acordo informal com ocupantes da área e de um programa de redução de danos.

Como se uma cortina se abrisse, a retirada das lonas desnuda, por alguns minutos, um ambiente de degradação escondido pelas lonas.

Em meio ao lixo que encherá dez sacos que ocupam toda a carroceria de um caminhão, alguns dependentes vão para a rua Helvétia. Ali negociam intensamente as pedras e os cachimbos fabricados há pouco, alheios ao trânsito que começa a se formar na alameda Cleveland.

Outros se empenham em dobrar seus colchonetes e edredons ou guardar seus objetos pessoais para evitar que sejam recolhidos.

Assim que chegam, garis e guardas municipais apenas assistem ao exército que desmonta as instalações. Policiais militares passam a pé.

Em pouco mais de dez minutos, sofás coloridos, colchões de casal e de solteiro, mesas e cadeiras são carregadas nas costas até a rua.

CAMPING

Acostumados com a rotina, os ocupantes arrancam, com agilidade, estacas de madeira e as cordas que sustentam as barracas. Para os que usam tendas de camping, é mais fácil -em dupla, carregam suas "casas" até a rua.

Por volta das 15h35, os cerca de 200 dependentes já liberaram o local. Entram em ação os varredores, que passam puxando a imensa quantidade de papel, sacos plásticos, resto de madeira e roupas.

Os mesmos garis expulsam as centenas de pombos em busca de restos. Às 15h40, é possível ver o cinza do concreto. Limpo, após o jato de água ser disparado no chão. Cães também fogem da ducha.

É só a água do caminhão-pipa ser desligada e ocorre o processo de reocupação.

Em meio à montagem das barracas, a busca desenfreada por pedras volta a ocorrer na área. O colchão de casal volta ao meio do terreno, agora adornado por um grande cachorro de pelúcia bege.

Sob um guarda-sol, uma dependente que vestia um top branco coloca um grande chapéu de praia.

Às 16h, a estrutura dos barracos já está ali. Faltam os ajustes finais para colocar a cobertura nas moradias.

A favela está de pé.

DESPEJO

O secretário de Segurança Urbana da gestão Fernando Haddad (PT), Roberto Porto, diz que o tráfico se acentuou ali depois que uma operação deu fim a uma outra ocupação de viciados no Parque Dom Pedro 2, em setembro.

Segundo ele, traficantes migraram de lá para a Luz e passaram a controlar o "fluxo" na cracolândia.

Porto afirmou que foi estabelecido um pacto com os dependentes para que não fossem montadas barracas.

Disse que a "favelinha" deve" acabar em breve, mas que depende de uma operação conjunta com a polícia. "A ideia é retomar o espaço, mas tomando cuidado para que não seja feita de forma violenta", disse. Se a saída não for pacífica, as barracas podem ser apreendidas.

Procurada, a Polícia Militar não havia respondido até a conclusão desta edição.


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