Folha de S. Paulo


Alunos de centro acadêmico da USP dizem desconhecer abuso na medicina

A 3ª audiência da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, que investiga os abusos na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), ouviu nesta terça-feira (2) o ex-presidente do Caoc (Centro Acadêmico Oswaldo Cruz) Murilo Germano Sales da Silva, da FMUSP, e o presidente eleito Renato Pignatari.

Em depoimento, os alunos negaram conhecer as práticas de abuso denunciadas por outros estudantes e se responsabilizaram a contribuir para uma cultura de diversidade dentro da instituição.

Um vídeo com a prática do "pascu", em que um aluno, ao desobedecer uma ordem, é "preso", retiram-se suas roupas, e a "pasta" (creme dental) é introduzida no ânus, foi exibido durante a audiência. Nas imagens, um aluno violentado grita e recebe tapas.

Imagens do Show Medicina, teatro formado por homens da FMUSP, também foram mostradas. Nelas, alunos satirizam o Coletivo Geni, formado por mulheres vítimas de abuso e Felipe Scalisa, do coletivo NEGGS (Núcleo de Gênero e Sexualidade). Os coletivos foram formados dentro da FMUSP em resposta aos abusos.

Diante das imagens, os alunos do centro acadêmico negaram ter participado das práticas e também negaram as sátiras.

O CAOC, entretanto, disse não saber como poderia barrar a prática, atribuída isoladamente a alguns membros da Atlética. "Eu não tenho autoridade para barrar a prática", disse Pignatari.

A comissão perguntou se Murilo, por acaso, teria perdido dentes em um trote. Ele negou a informação, disse que o acidente teria acontecido fora da universidade e que a "pergunta não era pertinente para a discussão".

Ele também foi questionado sobre dois casos de suicídios de colegas da faculdade de medicina, e disse não conhecer as circunstâncias exatas.

A comissão, entretanto, disse que em um dos casos, um aluno teria recebido um trote em que ele teria ficado nu e um estupro teria sido simulado sobre ele. Ele teria então entrado numa crise de choro.

Os alunos não comentaram o caso, mas o centro acadêmico estabeleceu o compromisso de estabelecer diálogo com todos os membros e coletivos da universidade. Também disseram ter recebido orientação da Universidade de Toronto, referência em direitos humanos, para lidar com os problemas relatados.

Convidados, José Costa Auler, diretor da FMUSP, Edmund Chada Baracat, vice-Diretor da USP e Presidente da Comissão de Graduação da FMUSP e Douglas Rodrigues da Costa - ex-presidente da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, não compareceram. Ao todo, 13 pessoas foram convidadas.

SILÊNCIO

Para o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da comissão na Alesp, os membros foram evasivos e "não responderam" às perguntas. "Ficaram de blá blá blá", disse.

O deputado também criticou a posição dos alunos de não admitirem que o teatro do show medicina fazia sátiras aos coletivos em defesa dos direitos humanos. Felipe Scalisa, do NEGGS e aluno do terceiro ano da Faculdade de Medicina, pediu proteção ao centro acadêmico.

Gabriel Lindenbach, 22, aluno da USP e diretor do DCE (Diretório Central dos Estudantes) criticou o centro acadêmico da FMUSP. "Eles deveriam ter saído em defesa das vítimas, se colocarem à disposição e isso não foi feito".

A reportagem tentou falar com os alunos do CAOC no final da audiência, mas eles disseram que vão se reunir antes de fazer qualquer outro pronunciamento.

DISCRIMINAÇÃO E RACISMO

Uma funcionária da USP e ex-aluna, Sheila Serra, disse ter sofrido discriminação ao assumir sua orientação sexual dentro da universidade.

Ela afirmou ainda que os alunos têm acesso a drogas no laboratório. "Eles têm a chave e acesso a muitas substâncias restritas para uso em pesquisa", disse.

A aluna de saúde pública Monica Mendes Gonçalves, que foi barrada em uma festa da FMUSP em abril, segundo ela, por ser negra, disse que no processo que abriu contra a universidade, a instituição não considerou ter havido racismo.

"Ela anexou a um processo documentos de palestras 'sobre sexualidade e deficiência" para falar que fomentam políticas dentro da universidade e também de uma bateria que foi trazida", diz. "Isso não é lutar contra o racismo."


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