Folha de S. Paulo


Agricultor cria 'engenhoca' para usar água que vaza de reservatório em SP

Vizinho de um reservatório da empresa de abastecimento de água de Campinas, um agricultor aposentado aproveitou o endereço privilegiado para captar parte do líquido desperdiçado diariamente por causa de uma rachadura no local.

O sistema construído por Francisco Fausto Leite Alves, de 80 anos, inclui 18 metros de cano plástico, uma bomba de sucção e 30 metros de mangueira para jogar o líquido em uma caixa de mil litros.

Dos 86 mil litros que vazam todos os dias do reservatório, ele estima utilizar "apenas" 500 litros. "Dava pro quarteirão inteiro aproveitar", diz.

Para evitar estragos, o cano foi concretado ao meio-fio, e a mangueira, enterrada ao lado do fio de eletricidade da bomba –que liga e desliga sozinha, dependendo do volume de água na caixa.

"É mais para passar o tempo. Se ficar parado, enferruja", justifica Francisco. "No sítio eu já trabalhava com roda d'água, carneiro hidráulico. Eu só adaptei a ideia", diz ele, mora em uma casa de três andares com a mulher e dois filhos e utiliza essa água para regar a horta e as plantas.

Joel Silva/Folhapress
O aposentado Francisco Leite Alves, 80, montou estrutura para reaproveitar água vazada de reservatório em Campinas
Francisco Leite Alves, 80, montou estrutura para reaproveitar água vazada de reservatório em Campinas

Para a Sanasa, o "gato" do aposentado não é ilegal. E ele não paga nada pelo líquido.

Apesar de a empresa considerar o desperdício "mínimo" (0,25% da capacidade da estrutura), o volume perdido poderia abastecer cem casas, ou uma rua inteira, por dia.

"Estudamos colocar a água de novo no reservatório, mas ela não pode ser consumida", diz Marco Antônio dos Santos, diretor-técnico da Sanasa. "Tem de deixar escorrer mesmo", afirma ele, segundo quem o vazamento foi detectado só em janeiro.

Vizinhos do reservatório contam outra versão.

"O vazamento existe desde quando construíram, há mais de 20 anos. Sempre foi assim, e é um absurdo", afirma Nádia Marques, 51, vizinha do aposentado. "A engenhoca do seu Francisco pelo menos aproveita um pouco da água que é desperdiçada."

Natural de Itaperuna (RJ), Francisco se mudou aos 20 anos para Assis Chateubriand (PR). A família foi para Campinas em 1982, mas ele resistiu mais 12 anos sozinho no Paraná. "Eu vim na marra. Aí tive de vender o sítio, porque é muito longe daqui", conta.

Na horta de 30 m2 regada com a água do reservatório, ele planta couve, alface, almeirão, rabanete e rúcula. Seu quintal também tem limão, acerola e jabuticaba.

Para consertar o vazamento, a empresa planeja construir outro reservatório com a mesma capacidade. Só assim será possível esvaziar o atual sem prejudicar o abastecimento da cidade. Após o reparo, ambos vão operar ao mesmo tempo.

Segundo o diretor da Sanasa, em duas licitações não houve interessados. "Se ninguém se inscrever de novo vou contratar uma empresa sem licitação", afirma.


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