Árvores lançadas ao rio, desmoronamento de terra, matas devastadas e pequenos tsunamis. O terremoto descrito por um padre missionário que percorreu a Amazônia no século 17 foi agora comprovado cientificamente e pode mudar a literatura sismológica do país.
Estudo publicado pelo geólogo Alberto Veloso, um dos criadores do Observatório Sismológico da UnB (Universidade de Brasília), sustenta que o maior terremoto já ocorrido no Brasil aconteceu em 1690, a 45 km de Manaus, às margens do rio Amazonas.
Com base no relato de dois padres jesuítas que atuavam na região, Veloso calculou a magnitude e amplitude do sismo: 7 graus na escala Richter, similar ao que matou 300 mil pessoas no Haiti em 2010.
Essa estimativa coloca o terremoto da Amazônia à frente do sismo ocorrido em 1955 no Mato Grosso, o maior que já tinha sido registrado até hoje no Brasil, com magnitude de 6,2.
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No artigo, publicado pela revista da Academia Brasileira de Ciências de setembro, Veloso explica que uniu pesquisa histórica aos conhecimentos atuais na área para calcular o tamanho do sismo.
Em seu diário, o padre tcheco Samuel Fritz, que catequizou índios na Amazônia por 40 anos, descreve a destruição do local um ano após o tremor, e colhe depoimentos de índios que relataram os tremores –e apontaram o missionário como culpado pela fúria da natureza.
Veloso teve acesso às memórias de um segundo catequizador, o padre Felipe Bettendorf, que também descreveu relatos de indígenas no local, dois anos após o fato.
"São escritos confiáveis e muito consideráveis, eles tratavam as coisas com os pés no chão", conta.
O pesquisador mapeou os pontos em que os padres relataram o que viram, mais os locais onde os relatos dos índios que sentiram o tremor foram colhidos. Com isso, traçou o provável epicentro e a magnitude –uma estimativa conservadora, segundo ele.
As descrições dos padres também ajudaram a detalhar os efeitos do terremoto, como abertura de clareiras na mata, árvores tombadas e o esfarelamento de rochas.
O terremoto provocou ondas semelhantes a de tsunamis, aldeias foram inundadas e o curso do rio Urubu, afluente do Amazonas, foi invertido por um período.
Não há relatos de vítimas. Até hoje, só uma pessoa morreu no Brasil por causa de terremoto: em 2007, após abalo de 4,9 graus, em Minas Gerais.
"Hoje seria diferente, pois a região se desenvolveu e há exposição de construções que não foram desenhadas para resistir a abalos fortes", afirma o pesquisador, que esteve no epicentro, mas não encontrou sinais do sismo.
"Cabe agora buscarmos vestígios que o terremoto deixa. Requer um trabalho grande de escavação", diz Veloso.
Para Veloso, a descoberta desmistifica a máxima de que o Brasil não pode ser atingido por grandes abalos sísmicos. "Aconteceu um, pode acontecer outro. O período de retorno, porém, é grande, calculado em 500 anos", diz.