Folha de S. Paulo


Manancial que abastece quase 40% de Bauru (SP) está à beira do colapso

A escassez de chuvas pode deixar 38% da população de Bauru (a 343 km da capital) sem água nos próximos dias, mesmo depois do rodízio adotado pelo DAE (Departamento de Água e Esgoto) no início da semana.

Além da estiagem, a situação é agravada pelas altas temperaturas, em torno dos 40°C.

A medição do manancial que abastece 130 mil moradores de 158 bairros da cidade oscila entre 1,17 metro e 1 metro. Se chegar a 80 centímetros, o sistema pode entrar em colapso.

O manancial utiliza água do rio Batalha, que nasce na vizinha Agudos e deságua no rio Tietê, em Uru (SP).

"Se o nível baixar ainda mais, podemos até continuar o abastecimento, mas há a possibilidade de danificar a máquina", afirma o presidente do DAE, Giasone Candia, referindo-se ao sistema de captação. "Estamos na expectativa de que haja uma chuva de 30 milímetros no final de semana."

O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), no entanto, prevê pancadas de chuva apenas para terça-feira (21). Segundo o instituto, a temperatura vai continuar elevada nos próximos dias, com queda a partir de terça.

Sem planejamento para enfrentar a situação, o DAE diz que a única solução é fornecer água à população por meio de caminhões-pipas, abastecidos com água retirada de poços artesianos usados pro 62% dos moradores de Bauru.

A autarquia municipal, no entanto, não tem condições de atender a todos os pedidos. "Priorizamos as escolas, hospitais e creches", diz o presidente.

Desde que o rodízio começou, a situação é crítica em vários bairros da cidade. O próprio Giasone Candia admite que, mesmo após a medida, não há água para todo mundo, principalmente nas regiões mais altas da cidade.

Sem chuva, diz ele, a solução será ir "tocando" a situação. Para o fim de semana, é impossível prever o que vai acontecer.

"Abastecemos o que for possível. Além do calor e da seca, aumentou muito a população e não fizeram nada para aumentar o abastecimento de água", diz Candia, que assumiu o cargo há um ano e nove meses.

Ele diz que trabalha em um planejamento para melhorar a distribuição de água na cidade, mas admite que a medida está dez anos atrasada.

Candia criticou os moradores que, segundo ele, não economizam a água que chega às residências e os que não investem em reservatórios particulares maiores. "Não há contribuição da população", diz.

A dona de casa Ângela Fassoni, moradora do centro que está há três dias sem água, rebate. "O que me deixa mais preocupada é a cara do presidente do DAE ao afirmar que não tem nada a ser feito. Incompetência pura", afirmou. "Vimos que há projetos e que ao longo do tempo esse problema poderia ter sido evitado se tivessem interesse político."

CAMINHÃO-PIPA

A Maternidade Santa Isabel, que atende pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), já depende de caminhões-pipa para manter a rotina. O serviço vem sendo solicitado pelo menos duas vezes ao dia.

Faltou água também no AME (Ambulatório Médico de Especialidades) na quinta-feira (16), e foi preciso apelar para o mesmo recurso.

Também na quinta, no bairro Leão 13, periferia da cidade, um grupo de moradores cercou com baldes um caminhão que abastecia uma escola municipal. Na vila Santista, moradores passaram dias inteiros sem uma gota nas torneiras nesta semana.

"Vamos a um clube para tomar banho e compramos água para lavar algumas coisas. Comemos marmita ou em restaurante", conta a culinarista Mariza Plácido.

Morador do Jardim Bela Vista, o representante comercial Bruno Rezende afirma que a água não chega há cinco dias na casa em que mora com a mulher e o filho de um ano de idade. Eles vivem com o que restou no reservatório do imóvel, mas já pensam em alternativas.

"Vou comprar água mineral para sobreviver. Tenho dó da geração que irá nos suceder", lamenta.

A rede de drogarias Farmacentro, tradicional em Bauru, tem o agravante de, por ser um estabelecimento de saúde, precisar estar limpa o dia todo.

No zoológico, um poço artesiano garante a água para os animais, mas o diretor Luiz Pires teme pela sobrevivência dos animais que vivem na área urbana e na zona rural.

"As fontes de água que muitos animais utilizavam esgotaram. O problema é que os animais não protestam, não incendeiam pneus, não publicam cartas em jornais. Morrem em silêncio", diz.

Sócio de uma fábrica de gelo, o advogado Pili Cardoso diz ter notado o agravamento da falta de água ao ver a fila em sua empresa, que tem poço artesiano e oferece uma torneira para que os moradores peguem água de graça na Vila Ipiranga.

"Tem momentos em que a fila tem mais de 50 pessoas, mas ninguém fica sem água", afirma.

O RIO

Afluente do Tietê, o rio Batalha sofreu nas últimas décadas um processo de desmatamento de suas matas ciliares, erosões e assoreamento.

"Vi esse rio mudar muito. Há uns 20 anos ele tinha três vezes mais volume de água", disse o barqueiro Django Camargo dos Santos em depoimento ao documentário "Batalha pelas matas ciliares", realizado em parceria entre o Instituto Ambiental Vidágua e o Pró-Terra, em 2013.

Segundo o documentário, as plantações de café foram as principais responsáveis pela devastação. Hoje predominam pastagens e plantação de cana na região do Batalha.

Na expedição que deu origem ao documentário, os ambientalistas observaram 73 pontos de devastação ao longo de 167 km do rio.


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