Folha de S. Paulo


Primeiro condenado em protestos, catador tem pena reduzida no Rio

A primeira pessoa que foi condenada após participação das manifestações que tomaram as ruas do país desde junho de 2013 teve sua pena diminuída em quatro meses na tarde desta terça-feira (26) pela Justiça do Rio.

O catador de latinhas e morador de rua Rafael Braga Vieira, 26, foi detido em 22 de junho próximo de onde ocorria a chamada "marcha do um milhão", na avenida Presidente Vargas, sob suspeita de carregar dois coquetéis molotovs.

Em dezembro passado, a Justiça o condenou em primeira instância a cinco anos em regime fechado por posse de explosivo, ainda que um laudo da Polícia Civil tenha concluído que o material apreendido tinha "ínfima possibilidade" de funcionar como coquetel molotov.

A defesa de Vieira, que está sendo feita pelo DDH (Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos), pediu em segunda instância a anulação da pena com base neste laudo. Desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Rio decidiram nesta tarde por reduzir a pena em quatro meses, para quatro anos e oito meses em regime fechado. A defesa aguarda a publicação da decisão para entrar com novo recurso, ainda no Tribunal de Justiça. Caso negado, pretende levar o caso a instâncias superiores.

Segundo o advogado Carlos Eduardo Martins, do DDH, os desembargadores afirmaram que o catador permaneceria preso por conta de "maus antecedentes" e "reincidência", já que Vieira já cumpriu pena duas vezes por roubo. O advogado lembrou que as duas condenações já "transitaram em julgado", que é quando o processo termina no tribunal.

No dia em que Vieira foi detido foi constatado na delegacia que o catador portava uma garrafa do desinfetante Pinho Sol e uma de água sanitária. Segundo a defesa, Vieira não era manifestante, mas um morador de rua que dormia em uma loja abandonada próximo à avenida Presidente Vargas. O produto das garrafas seria usado para limpar o local onde ele iria passar a noite.

Um laudo do Esquadrão Antibomba da Polícia Civil feito no mesmo dia em que Vieira foi detido atesta que em uma das garrafas havia de fato água sanitária, produto não inflamável, e na outra, etanol, que é inflamável. O laudo cita ainda que as garrafas tinham panos que poderiam ser usados como pavios. A defesa afirma que nenhum pano foi apreendido com o rapaz.

O laudo, ao qual a Folha teve acesso, afirma que o produto pode ser utilizado para provocar incêndios, mas não iria funcionar como coquetel molotov, já que a garrafa plástica não iria quebrar quando atingisse o alvo e, portanto, não teria o efeito incendiário do molotov, que precisa ser feito com frascos de vidro.

"Esses engenhos submetidos a exame foram confeccionados em garrafas plásticas, ou seja, com mínima possibilidade da quebra que possibilitaria o espalhamento do seu conteúdo inflamável e contato com a chama da mecha ignitora, o qual provocaria incêndio", diz o laudo, assinado por dois inspetores de Polícia Civil.

"Pode ser utilizado com eficácia na prática de crimes como arma de coação, intimidação ou ser acionado e lançado contra populares ou forças policiais, apresentando, contudo, ínfima possibilidade de funcionar como coquetel molotov", conclui o laudo.

Especialista em explosivos, o capitão de fragata da reserva da Marinha Theo Toscano explicou à Folha à época que o coquetel molotov é feito com garrafa de vidro (e não de plástico) e com uma combinação de óleo e gasolina. "O álcool da garrafa plástica com pavio vai incendiar, mas não terá o efeito explosivo. Ele pode ferir pessoas, mas a chance maior é que quem o carregue coloque fogo em si próprio antes de conseguir arremessá-lo."

CONDENAÇÃO E RECURSO

Em sua sentença, o juiz Guilherme Schilling Pollo Duarte, da 32ª Vara Criminal, definiu a pena em regime fechado considerando a reincidência de Vieira, que já foi condenado e cumpriu pena duas vezes por roubo.

Inicialmente, a defesa de Vieira foi feita pelo DDH (Instituto de Defensores dos Direitos Humanos), que auxilia juridicamente manifestantes e vítimas de violência policial em comunidades pobres do Rio.

Em seguida, a Defensoria Pública assumiu o caso. Após a condenação, o DDH voltou ao processo e interpôs recurso. O julgamento ocorreu por volta das 13h30.

A mãe de Vieira, a também catadora Adriana Oliveira Braga, 44, deixou o prédio do tribunal abalada. "Eu passei a noite na porta do tribunal na esperança de que ele fosse absolvido", disse ela que, com um acenar de cabeça, afirmou que não considerou que seu filho teve um julgamento justo.

Desde a noite de segunda (25) um grupo pequeno de manifestantes está em vigília na porta do Tribunal de Justiça do Rio, no centro da cidade. Os ativistas pretendem lavar a calçada com Pinho Sol momentos antes de o recurso ser julgado.


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