Folha de S. Paulo


Relato de abuso de ex-médico foi 'chocante', diz jornalista do caso

Foi durante um almoço com um advogado que o assunto veio à tona. Uma amiga dele havia sido molestada sexualmente por um médico muito conhecido, chamado Roger Abdelmassih, e outras mulheres também teriam passado por situações semelhantes.

Nunca o havia entrevistado, mas sabia de sua presença constante em programas de TV e revistas de celebridades, posando sempre ao lado de casais felizes com um ou mais bebês no colo. Era chocante imaginar o que o advogado narrava.

Depois que apresentei a história à Folha, a recomendação foi de muita cautela e muita apuração. Reuni documentos, como boletins de ocorrência e depoimentos registrados em cartório. O difícil era encontrar alguma mulher disposta a conversar abertamente sobre o caso, como o jornal me pedia.

Após muita resistência, finalmente uma delas aceitou falar pessoalmente, desde que sua identidade fosse mantida em sigilo. Ela dizia que tinha sido molestada dentro do consultório. Ela não estava sedada. Estava lúcida e apavorada. Havia sido agarrada e beijada à força.

Um depoimento levou a outro. Quando vi, tinha em mãos as histórias de oito mulheres na faixa dos 35 anos, bem-sucedidas profissionalmente, que não se conheciam e, com uma diferença ou outra no enredo, narravam terem sido atacadas por Abdelmassih.

Vi a dor de relembrarem suas histórias, sempre com os olhos marejados de raiva e de medo. Raiva por se sentirem enganadas e usadas justamente na fase mais delicada de suas vidas e pelo médico que supostamente as ajudaria a engravidar. E medo da opinião pública, de serem julgadas e desacreditadas pelos vizinhos, amigos e conhecidos.

Editoria de arte/Folhapress

CONSULTÓRIO

Durante a apuração do caso, Abdelmassih me recebeu em seu luxuoso consultório nos Jardins, na mesma sala em que algumas mulheres narraram terem sido agarradas. Ele, que sempre gostou dos holofotes, não aceitou ser fotografado.

Acompanhado por um médico, uma assessora de imprensa e um advogado, gesticulava bastante. Alegava que era vítima de uma armação. Em pé, arregaçou as mangas e exibiu os seus bíceps. "Pegue aqui, veja se sou forte para agarrar uma mulher", dizia, arrancando risos da sua equipe.

A primeira reportagem saiu em 9 de janeiro de 2009 e encorajou outras mulheres a contarem as suas histórias. Foram quatro no dia seguinte, depois o número subiu para 32, 61, 90.

Oito dias depois, uma fotógrafa corajosa deu finalmente rosto a essas mulheres, que ainda esperam por Justiça.


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