Folha de S. Paulo


'Eu me fingi de morto', diz jovem que sobreviveu a ataque de PMs no Rio

Quando foi apreendido por dois policiais militares em uma rua do centro do Rio, na manhã do último dia 11, o adolescente M., 15, foi colocado em uma viatura e levado para um matagal no morro do Sumaré, próximo à casa do cardeal d. Orani Tempesta, arcebispo da cidade.

Ali, ele e Mateus Alves dos Santos, 14, que também havia sido apreendido, foram baleados quatro vezes pelos policiais. M. foi o primeiro alvejado, levando um tiro de fuzil pelas costas e outro, de pistola, na perna direita.

"Ele [PM] me chutou, mas não me mexi, fingi de morto", relatou o jovem à Folha nesta sexta (20).

"Depois, puxaram o outro garoto de dentro do carro. Quando me viu, se desesperou e começou a gritar, mas tomou dois tiros e caiu em cima de mim, morto", disse. Os dois se conheciam apenas de vista.

Assim que os policiais se afastaram, M. saiu de baixo do corpo de Mateus, levantou-se e amarrou um casaco na perna, atravessada pela bala. O tiro de fuzil também cruzou seu corpo, deixando um furo pelas costas.

O adolescente saiu de dentro da mata e começou a descer a ladeira do Sumaré; no caminho, procurou auxílio em três estabelecimentos, mas não o ajudaram. "Disseram que não poderia ficar ali, porque a polícia voltaria." Os comerciantes também deram a entender que a região é ponto de desova (ocultação de cadáveres).

Em busca de socorro, M. caminhou até o morro do Turano, na zona norte. Um menino o levou a uma igreja, onde limparam seus ferimentos e ligaram para sua família. Seu pai o buscou no pé do morro e o levou ao hospital municipal Souza Aguiar.

De volta à sua casa, utilizou o Facebook para informar a outros garotos da comunidade o que havia acontecido, e recebeu a informação de que um adolescente da Maré estava sumido. Um dos internautas entrou em contato com uma tia de Mateus, Aline dos Santos, que foi à casa de M. e ouviu o relato do sobrevivente no sábado (14). Acompanhada de seu marido e de mais um tio do jovem assassinado, procurou a Delegacia de Homicídios na segunda-feira (16).

Encontraram o corpo de Mateus no Sumaré no mesmo dia. O pai do garoto o identificou no local. "Mesmo que ele tivesse feito algo errado, deveria ter sido levado à DPCA [Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente]", disse o pai, Tyago Virgínio dos Santos, 33, auxiliar de obras.

Suspeitos do crime, os cabos Fábio Magalhães Ferreira, 35, e Vinícius Lima Vieira, 32, foram presos e ficarão ao menos 30 dias em uma Unidade Prisional da PM, à disposição da Justiça. A corporação não informou se eles já têm advogado.

M., que parou de estudar ao completar a sexta série no ano passado, disse à Folha que estava "dando um rolê", quando foi apreendido. Contou que ele e Mateus estavam tranquilos até chegar ao Sumaré. "Ali vimos que iam fazer maldade", disse.


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