Folha de S. Paulo


Defensores de direitos humanos veem abuso policial em detenção na Virada

Espremidos em um corredor de menos de um metro, 21 jovens permanecem sentados no chão de um ônibus da Polícia Militar, a cortinas fechadas, sob a mira de dois agentes.

A cena, registrada pela Folha na madrugada deste domingo (18), é parte da ação da PM durante a Virada Cultural deste fim de semana, que deixou um saldo de 108 prisões e 20 apreensões (de menores de idade) em 24 horas, no centro de São Paulo.

Com as cabeças baixas, os detidos ficaram encolhidos entre 36 assentos vazios do ônibus na frente do 2º DP (Bom Retiro).

Carlos Cecconello/Folhapress
Detidos durante a Virada Cultural, suspeitos de arrastão se amontoam em corredor de ônibus da PM, com cortinas fechadas
Detidos durante a Virada Cultural, suspeitos de arrastão se amontoam em corredor de ônibus da PM, com cortinas fechadas

A delegacia era uma das três que centralizaram o registro de 105 ocorrências durante o evento. Pela manhã de domingo, todas já estavam lotadas da entrada à carceragem.

"Isso é considerado tratamento degradante pelos tratados internacionais e os responsáveis podem ser processados por tortura pela lei brasileira", diz o defensor público Carlos Weis.

Para a SSP (Secretaria de Segurança Pública) a situação fotografada "em princípio não sugere abuso".

"No entanto, se houver alguma informação ou denúncia de que tenha ocorrido qualquer tipo de excesso por parte de policiais, isso será apurado pela Corregedoria da Polícia Militar", afirma a pasta, em nota.

Procurada desde segunda (19), a PM não respondeu se sua Corregedoria pretende investigar o caso. A corporação também se recusou a esclarecer por que os detidos estavam no chão e por que as cortinas do ônibus foram fechadas.

A Defensoria Pública afirma que vai mandar um ofício ao Comando Geral da PM solicitando esclarecimentos sobre o caso.

CABEÇA BAIXA

Segundo Weis, não há pressupostos legais para a polícia obrigar um detido a manter a baixar a cabeça e que não fazê-los sentar no chão em meio aos bancos vazios do ônibus é "humilhante" e "ilegal".

"Esses soldados e o superior que orientou sua conduta devem sofrer sanção administrativa e ser processados", afirma Weis.

Segundo ele, levantamento feito pela Defensoria Pública nos últimos três meses indica que um em cada três presos reporta ter sofrido agressão e tortura ao ser detido. Os entrevistados chegaram a dois CDPs (Centros de Detenção Provisória) da capital paulista nesse período.

Rafael Custódio, coordenador de Justiça da ONG Conectas, defende que não é porque uma pessoa é detida que ela perde seu direito à integridade física e moral.

"A tortura é um crime de oportunidade. Quando se isolam as pessoas do mundo externo –como no ônibus, que está com as cortinas fechadas, sem a presença de advogados–, o cenário torna-se perfeito para essa prática. O poder público tem a obrigação de evitar essas situações potenciais."


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