Folha de S. Paulo


José Martins Marçal, 50

Minha História: 'Tive convulsões, entrei num barranco e capotei cinco vezes'

José Martins Marçal, 50, trabalhou dez anos na fábrica da Eli Lilly em Cosmópolis (SP). Após ter convulsões, constatou que estava contaminado por metais pesados. Ganhou da empresa na Justiça –há ao menos outras 70 ações contra a Eli Lilly, condenada neste mês a pagar R$ 1 bilhão por danos coletivos.

Leticia Moreira/Folhapress
José Martins Marçal, 50, ex-funcionário da Eli Lilly que sofre de convulsões
José Martins Marçal, 50, ex-funcionário da Eli Lilly que sofre de convulsões

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Depoimento:

Comecei a trabalhar na Eli Lilly em maio de 1992, como operador de produção, e saí em novembro de 2002, demitido sem justa causa.

Trabalhava na produção de agroquímicos para cana-de-açúcar. Manipulava produtos como ácido fosfórico, nítrico e dimetil uréia de forma totalmente errada. A fábrica também tinha um incinerador.

Sabia que fazia mal, mas não tanto. Antes não tinha problema de saúde.

Comecei a ter sintomas com quatro anos de fábrica. Ficava sonolento, mas não relacionava ao trabalho.

Um dia, voltando para casa de táxi em 1996, tive minha primeira convulsão. De lá pra cá tornou-se frequente. Tenho dores de cabeça muito fortes e perda de memória.

No começo, ficava três meses sem ter episódios. A última vez foi há duas semanas, passei de sexta a segunda tendo convulsões.

Tive duas convulsões no trabalho, outra dirigindo. Só me lembro de ser socorrido. Entrei num barranco e o carro capotou cinco vezes. Não aconteceu nada grave, porque estava de cinto, mas perdi o carro, que não tinha seguro.

Não posso ficar sozinho –ou fico com meus filhos ou vou para a casa dos meus pais. Minha mulher é educadora, sustenta a casa.

Minhas irmãs fazem meu acompanhamento médico e marcam as consultas, porque eu não consigo lembrar.

Tomo nove remédios por dia. Não posso beber, dirigir, trabalhar ou sair de casa. Queria me sentir útil. Não tenho vida social, restringi o contato com os amigos. É difícil.

Em 2005, a Lilly fez um acordo com dez ex-funcionários. Comecei a perceber que meus problemas de saúde eram pela exposição aos produtos –tenho altas taxas de alumínio, arsênio e outros metais pesados no organismo.

Procuramos a empresa para que desse tratamento, mas disseram que não tinham nada a ver. Aí acionamos o Ministério Público do Trabalho e entramos na Justiça.

O principal ponto da ação é o convênio –sou atendido pelo SUS e pago alguns remédios do bolso. Não consegui a aposentadoria por invalidez, mas não posso trabalhar. Ganhava R$ 1.970 e adicionais de periculosidade e noturno.

No exame demissional deu tudo ok, mas não estava. Mascararam os resultados.

Minha ação será julgada no TST [Tribunal Superior do Trabalho]. Em segunda instância, ganhei R$ 4.000 de pensão mensal, plano de saúde vitalício e R$ 60 mil por danos morais e materiais.

Não queria um centavo. Queria a minha vida de volta.

EMPRESA NEGA CONTAMINAÇÃO

A farmacêutica Eli Lilly nega que haja indícios de metais pesados na área da fábrica de Cosmópolis, hoje operada pela ABL Antibióticos.

A empresa diz que a segurança de seus funcionários "em todo o mundo é fundamental" e disse não haver "absolutamente nenhuma base" para a decisão que a obrigou a pagar R$ 1 bilhão por contaminação de trabalhadores.

A reportagem não conseguiu contato com a Eli Lilly para comentar o caso específico de Marçal.


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