Folha de S. Paulo


'Tumor era maior que meu rim', diz ex-funcionário de empresa condenada em R$ 1 bi

Funcionário da Eli Lilly do Brasil por quase nove anos, Elias Soares Vieira conseguiu provar na Justiça que a subsidiária da farmacêutica americana em Cosmópolis (SP), cidade de 64 mil habitantes na região de Campinas, foi a responsável pelo câncer renal decorrente de uma contaminação por metais pesados.

Vieira entrou com uma ação na Justiça do Trabalho em 2007 e a empresa foi condenada pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), no fim do ano passado, a pagar indenização por danos morais e materiais, pensão mensal e plano de saúde vitalícios e medicamentos. O caso já transitou em julgado (quando não cabem mais recursos que alterem a decisão) e o ex-funcionário pede que o valor total que recebeu não seja divulgado.

"O tumor era maior que o meu rim direito", diz Vieira, que trabalhou na empresa de 1988 a 1996 na área administrativa e teve de retirar o órgão em 2005. "O tumor tinha 14 centímetros e era maior que o próprio rim, que tinha 12."

"Quando fui urinar, urinei sangue com uma dor abdominal muito forte", diz o ex-funcionário ao lembrar do dia em que teve o primeiro sintoma da contaminação. "Passei a madrugada no hospital. O médico achava que era pedra nos rins, mas, após exames, viu-se que era um tumor maior que o meu rim direito. Tive de retirar o rim inteiro."

Após o susto, afirma Vieira, ele passou a tentar entender a situação, já que não havia casos de câncer na família. "Um médico toxicologista pediu uma série de exames, que mostraram contaminação por chumbo, titânio, arsênico e alumínio, todos em quantidades superiores aos limites aceitáveis. Nosso organismo não tem de ter nada desse metais pesados, e eu tinha todos em concentrações alarmantes."

Além da ação de Vieira, há pelo menos outros 70 processos individuais contra a Lilly na Justiça do Trabalho.

Um deles é o do analista de informática Edson Luiz Stefano, que trabalhou por mais de 15 anos na empresa e exige R$ 4,2 milhões de indenização. O TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região) deu ganho parcial de causa ao ex-trabalhador, mas a empresa recorreu ao TST.

Stefano prefere não comentar a ação judicial, mas afirma ter diversos problemas de saúde decorrentes da contaminação, como insônia, perda de memória e pressão alta.

R$ 1 BILHÃO

Além das ações trabalhistas individuais, o MPT (Ministério Público do Trabalho) entrou com uma ação civil pública contra a Lilly, em 2008, que resultou em uma condenação de R$ 1 bilhão nesta semana.

A multinacional, criadora de remédios como o Prozac (anti-depressivo) e o Cialis (para disfunção erétil), foi condenada junto a ABL Antibióticos devido à contaminação de trabalhadores na fábrica de medicamentos –atualmente operada pela segunda empresa.

O valor inclui R$ 300 milhões por danos morais coletivos e R$ 700 milhões de custos estimados com tratamento de saúde às vítimas. Além da multa, aplicada por causa da contaminação de trabalhadores por substâncias tóxicas e metais pesados, a Eli Lilly do Brasil Ltda. e a ABL Antibióticos, empresa que atualmente opera a fábrica, devem suspender as atividades na unidade por um ano.

Segundo a decisão da juíza Antonia Rita Bonardo, da 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Paulínia, a Lilly e a ABL Antibióticos deverão custear tratamento irrestrito de saúde a todos os empregados, ex-empregados, autônomos e terceirizados que tenham prestado serviços por ao menos seis meses na fábrica de Cosmópolis. Filhos desses trabalhadores, nascidos no curso ou após a prestação de serviços, também deverão ser beneficiados com o pagamento de eventuais tratamentos.

A decisão é de primeira instância e cabe recurso.

Segundo o MPT, que propôs a ação civil pública, de 80 ex-funcionários que se submeteram a exames de sangue -cujos laudos médicos estão na ação-, apenas três não apresentaram contaminação. Laudos apontaram a presença de substâncias perigosas nas águas subterrâneas no terreno da fábrica, como benzeno, xileno (solvente), estireno (usado para a fabricação de veneno contra ratos), naftaleno (também conhecido como naftalina) e tolueno (caracteriza a cola de sapateiro).

EMPRESA RESPONDE

A decisão da Justiça brasileira fez a empresa, que tem capital aberto na Bolsa de Nova York, divulgar um comunicado oficial, intitulado "Lilly responde a decisão de tribunal brasileiro em causa trabalhista", em seu site mundial.

"A 2ª Vara da Justiça do Trabalho de Paulínia, no Estado de São Paulo, Brasil, decidiu contra a subsidiária local da empresa, Eli Lilly do Brasil, em um caso de trabalho alegando que alguns funcionários foram expostos a materiais perigosos em uma fábrica operada pela empresa entre 1977 e 2003", diz a nota. "A juíza estimou que o impacto da sua ordem em aproximadamente US$ 450 milhões."

No comunicado, o vice-presidente sênior e conselheiro geral da Lilly, Michael J. Harrington, diz que "a segurança de nossos funcionários em todo o mundo é fundamental" e "não há absolutamente nenhuma base para a decisão do tribunal". "Por essa razão, discordamos fortemente da decisão do tribunal e vamos recorrer."

Fundada em 1876 pelo coronel norte-americano Eli Lilly na cidade de Indianápolis, capital do Estado de Indiana, nos Estados Unidos, a empresa possui 136 anos e está no Brasil há 70 anos –desde 1944, quando instalou uma filial no Rio de Janeiro.

A reportagem não conseguiu contato com a empresa para comentários sobre as ações individuais que responde na Justiça do Trabalho relacionadas à contaminação na unidade de Cosmópolis.


Endereço da página:

Links no texto: