Folha de S. Paulo


Após quase um mês em SP, haitianos vindos do AC vão para abrigo

Após quase um mês, o salão da igreja Nossa Senhora da Paz amanheceu hoje vazio. Durante a noite, nem sombra dos haitianos que acamparam por ali desde o dia 11 de abril.

Para encontrá-los, não é preciso ir longe. A menos de 100 metros rua do Glicério abaixo, os 40 imigrantes que ainda não têm para onde ir –de uma leva de cerca de 2.200– foram instalados no novo abrigo provisório da Prefeitura de São Paulo.

Com dois dias de atraso, desde que foi anunciado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), por volta das 21h de ontem, finalmente, os haitianos "se mudaram".

Para muitos, uma surpresa: há camas ali. Desde que saiu do Haiti, há cerca de 40 dias, Wendy Abrham, 44, não dorme em uma.

Ontem, passou o dia com dores de cabeça e pelo corpo. Acordou assim. Após ir a uma Unidade Básica de Saúde e receber três cartelas de analgésicos e outros remédios, sentiu-se agraciado pela sorte.
"Com cama é bem 'mejor'", disse, no melhor portunhol creole.

Abrham não espera passar muito tempo com a nova cama. Na verdade, diz que está de viagem marcada para o Paraná amanhã. Foi contratado por uma empresa.

Ele não sabe dizer ao certo que irá fazer lá. "Alguma coisa como... como habla?", mete as mãos nos bolsos como se neles procurasse as palavras. "Com carne... Frigorífico! É isso? Assim?"

CAMINHÃO

Mais velho do que a maioria dos colegas ao seu lado, Abrham pode não saber dizer exatamente o que vai fazer, mas sabe que está melhor do que o resto da família que deixou para trás em Porto Príncipe.
Após o terremoto de 2010, os trabalhos rarearam, conta. "Não dava mais lá. Mas vou trazer [mulher e dois filhos], um dia."

Alheio ao mal-estar que se formou entre os governos do Acre, de São Paulo e a prefeitura paulistana desde que os haitianos vindos de Brasiléia (AC) começaram a desembarcar na Barra Funda, o único sonho que ele ainda diz ter é conseguir comprar "mais pra frente" um pequeno caminhão, "como tinha no Haiti."

PROBLEMA

Já o desejo do italiano Paolo Parisi, padre responsável pela Missão Paz, que recebe os imigrantes, é mais imediato. "Agora, seria interessante o governo dar aos outros imigrantes o mesmo tratamento que estão recebendo os haitianos", afirma. "O problema é bem maior."

O padre sabe, no entanto, que o fluxo de haitianos para São Paulo não vai parar por aqui. Para hoje "ou amanhã", ele espera a chegada de uma nova leva. Um ônibus por dia, o que deve superar as 120 vagas do novo abrigo. "O primeiro está atrasado".

Em breve, o salão da igreja Nossa Senhora da Paz já deve ter novos inquilinos.


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