Folha de S. Paulo


Brasil tem visão distorcida do problema das drogas, diz especialista

Estudioso de temas ligados ao consumo de drogas e defensor da descriminalização, o neurocientista norte-americano Carl Hart afirma que o problema dos usuários de crack e cocaína no Brasil está fora de controle, como esteve nos Estados Unidos nos anos 1980. Não por consumo excessivo, mas sim por uma política que permite que forças policiais "façam o que for preciso" para lidar com os usuários, com a aprovação da sociedade.

"Daqui a alguns anos, quando olharmos para trás, veremos que vários princípios de direitos humanos foram desrespeitados em nome de supostos direitos da sociedade, que aponta o crack e a cocaína como responsáveis por seus problemas", disse Hart, que participou de um debate
com voluntários da ONG Viva Rio nesta quarta-feira (7) no Rio.

Para Hart, a visão distorcida sobre o consumo de drogas cria uma espécie de licença para ações repressivas de combate. "Quando se viola uma lei de trânsito não se coloca polícia armada atrás de pessoas que dirigem em alta velocidade. Elas são multadas, mas não são presas, não há uma resposta exagerada. Políticas a respeito de drogas deveriam ser semelhantes", diz.

O neurocientista afirma que apenas 11% das pessoas que usam drogas são de fato dependentes. Estas pessoas, diz, podem precisar de tratamento –não compulsório–, mas não de ação policial.

"O que resolve um eventual problema de drogas é tirar as pessoas da pobreza, dar educação e acesso igual às oportunidades de trabalho, a fim de que elas tenham meios para cuidar de suas famílias. Nos anos 80 tínhamos [nos Estados Unidos] a pior situação do mundo com relação ao consumo de crack e cocaína. Depois de uma lei extremamente rigorosa, modificada 25 anos depois, conseguimos entender que o problema não era o crack ou a cocaína, mas o desemprego, a pobreza, a economia em má fase. Vendo a situação brasileira constato que vocês começam a entrar no pesadelo que nós vivemos nos anos 1980. Não o das drogas, mas o de políticas equivocadas para tratar da questão" , afirma.

Hart veio ao Brasil lançar seu livro "Um Preço Muito Alto" (Editora Zahar). Nele descreve seus estudos com relação ao uso de drogas e relata um pouco de sua vida. Primeiro negro a conquistar uma cátedra na Universidade de Columbia, em Nova York, ele é professor de neurociência nos departamentos de psicologia e psiquiatria da universidade e pesquisador da Divisão de Abuso de Substâncias do Instituto de Psiquiatria de Nova York.

Ele cresceu em um bairro negro de Miami onde viu amigos afundarem em drogas e enveredarem pelo crime. Em um trecho do livro descreve como, ainda criança, viu seu pai tentar matar a mãe durante uma briga com uma martelada na cabeça. A mãe sobreviveu, o casal se separou e ele passou a viver com a avó materna.

Na segunda-feira (12), às 20h, Hart participa de um bate-papo com o médico Dráuzio Varella na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em São Paulo


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