Folha de S. Paulo


Risco é maior no Complexo da Maré do que no Haiti, diz general

O general Roberto Escoto, 52, passou 180 dias na coordenação das operações da Força de Paz no território arrasado do Haiti, entre dezembro de 2004 e junho de 2005.

Há 20 dias quando preparava a Brigada Paraquedista para a Copa do Mundo recebeu missão que define como mais complicada: ocupar o complexo de 15 favelas da Maré, zona norte do Rio, dominada por facções de traficantes e milicianos.

"As facções criminosas da Maré são muito mais numerosas e têm muito mais armamento, munição e recursos financeiros do que as gangues que atuaram no Haiti", disse em entrevista à Folha.

Em 12 dias, sua tropa já sofreu 20 ataques de traficantes. Apesar disso, considera que "o desafio é maior nas áreas de milícias", que atuam de forma subterrânea.

Bate na tecla de que só com o apoio da comunidade será possível enfrentar o problema. Admite que não conseguirá erradicar o crime na área, mas busca reduzir o índice "em níveis satisfatórios".

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Folha - Nos primeiros 12 dias de ocupação na Maré, traficantes vem entrando em confronto com os militares. Isso era esperado?
Roberto Escoto - Tivemos 20 incidentes deste tipo. Isso era perfeitamente esperado por nossa forma de operar que é por saturação de patrulhamento. Ou seja, estamos com patrulhas em toda a área da operação, 24h por dia. Assim, a gente suprime a liberdade de ação que as facções tinham.
É natural que haja uma resistência porque o movimento do tráfico reduziu bastante e aí começam os confrontos. A nossa postura é pró-ativa, quer dizer, buscamos o contato. Não é o confronto. Toda vez que há confronto pode haver vítimas. Acontece, mas o que buscamos é o contato.

A ideia é ir nos pontos onde funcionavam as bocas de fumo dos traficantes?
Sim. Vamos onde eles podem estar escondendo drogas, armas ou que estejam sendo usadas como esconderijo. O serviço de disque-pacificação, que lançamos, é uma ferramenta da inteligência muito grande.

O disque-pacificação depende muito da comunidade que viveu junto a traficantes e milicianos por mais de 30 anos...
É difícil trazer a comunidade. É um processo que não é do dia para o outro. As facções impõe o medo e o terror. As patrulhas tem a orientação de buscar o contato com a população, interagir, conversar com as pessoas. É o mesmo princípio das polícias comunitárias que deram origem às UPPs. O planejamento é patrulhar na mesma área para criar vínculo com a população e a partir daí ter bons resultados.

A resistência dos traficantes faz a operação da Maré mais difícil do que a missão de Paz no Haiti?
Aqui nos deparamos com três facções criminosas [duas do tráfico e os milicianos], o que não aconteceu lá. O Haiti é um país falido. Não há como comparar um país como o Haiti com a pujança comercial do Complexo da Maré. Cité Soleil [a maior favela do país] é extremamente pobre com pessoas sentadas no chão vendendo frutas ou itens básicos de alimentação. Na Maré, tem farmácias, supermercados. As facções criminosas da Maré são muito mais numerosas e têm muito mais armamento, munição e recursos financeiros disponíveis do que as gangues que atuaram no Haiti, ou seja, representam ameaça muito maior.

Há alguma semelhança?
Apenas que as favelas lá estão em terrenos planos como a Maré. Aqui lidamos com brasileiros. Lá, é uma operação de imposição da paz, sob a égide de um organismo internacional - a ONU. Nossa tropa atua com mandato e regras de engajamento da ONU num país falido. O que tem de igual é o trabalho de integração entre a Força de Pacificação e as agências, que é importante para o desenvolvimento do trabalho. Foi importante no Alemão e vem sendo importante na Maré.

O que se pode trazer da experiência no Haiti para a Maré?
É preciso ter em mente que o problema da Maré não se resolve só com a segurança. Acompanhando, tem que vir saneamento, saúde e educação. Tenho me reunido com representantes dos governos municipal e estadual para tratar deste tema. Isso vai assegurar o êxito da operação.

O Exército deveria atuar na segurança pública?
As Forças Armadas estão preparadas para este tipo de operação. Temos um centro de instrução em Campinas. Essa doutrina vem sendo desenvolvida na Força. Temos experiência acumulada e hoje atuamos em ações de paz até em meio ao conflito armado. Nosso soldado não é apenas treinado para matar. Nossa missão não é eliminar o inimigo. É sempre prendê-lo.

A Força tem recebido ataques do tráfico. A milícia age diferente. Não quer o confronto. Como enfrentá-los?
O desafio é maior nas áreas de milícias. Elas atuam de forma subterrânea, diferente do tráfico que atua de forma ostensiva. Para enfrentá-los é preciso buscar o apoio da população. Só se descobre o que é subterrâneo com a ajuda da população. A contribuição deles é importante para se perceber e ver problemas na ação desses grupos.

A Força de Pacificação tem o direito a errar?
O estado final desejado desta operação é criar um ambiente seguro e estável permitindo a criação de uma nova UPP [Unidade de Polícia Pacificadora]. O prazo inicial previsto é 31 de julho. Consideramos que este prazo é viável para atingir o estado final neste prazo.
Não quer dizer que vamos erradicar o crime do Complexo da Maré. Isso não existe. Crime existe em todo lugar. Em Nova York, por exemplo, há crime. O que nós buscamos é reduzir este índice de criminalidade em níveis satisfatórios.


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