Folha de S. Paulo


Ocupação de sem-teto faz Arquidiocese do Rio cancelar celebrações de Páscoa

Um dia após a ocupação de manifestantes sem-teto na entrada da Catedral do Rio de Janeiro, no centro da cidade, a arquidiocese anunciou o cancelamento de todas as celebrações de Páscoa no templo. A informação foi divulgada mais cedo pela assessoria de imprensa do cardeal-arcebispo dom Orani Tempesta.

A Catedral Metropolitana da cidade havia programado, para este sábado a Vigília Pascal, às 19h30, e a tradicional missa de Páscoa para este domingo (20), às 10h. Segundo a Arquidiocese do Rio, ainda não há previsão de quando o templo será reaberto.

Desde a madrugada desta sexta-feira (18), um grupo com cerca de cem pessoas ocupa parte do terreno da catedral. A maioria dos sem-teto tinha participado da ocupação do terreno da Oi, há três semanas, no Engenho Novo, zona norte carioca.

A presença dos manifestantes levou a Arquidiocese do Rio a cancelar a encenação da Paixão de Cristo na Catedral, realizada na Sexta-Feira Santa há 45 anos.
Dom Orani Tempesta faria a celebração às 15h de ontem. Em seguida, aconteceria uma procissão na Lapa, no entorno da igreja. Ao fim, haveria a encenação da Paixão de Cristo na frente da Catedral.

O professor Miguel Arcanjo dos Santos, 56, chegou por volta das 18h ao local para ver o espetáculo e ficou decepcionado.

"Só sei que eles fecharam em razão de segurança porque ficaram com medo de ocupar o interior da igreja. Participo dessa celebração há dez anos e nunca tivemos isso. Até a procissão foi cancelada!", lamentou.

A Folha tentou falar com Dom Orani Tempesta hoje, depois que ele celebrou uma missa na igreja de São Pedro, pela manhã, no Rio Comprido (zona norte), mas ele respondeu que não falaria com a imprensa naquele momento.

ACAMPAMENTO

Os sem-teto chegaram à Catedral por volta das 6h de sexta-feira, depois de uma operação do Batalhão de Choque e da Guarda Municipal que os removeu de uma área próxima à prefeitura.

O grupo quis entrar na Catedral, que estava com uma porta aberta apenas para entrada de funcionários, mas um vigilante tentou impedi-los. Houve um princípio de tumulto, com agressões físicas a ambos os lados, mas que, segundo relatos, teria se dissipado rapidamente.

Horas depois, segundo os manifestantes, um padre sugeriu que eles ficassem no estacionamento, dando-lhes autorização para a permanência até a próxima quinta-feira. "Eles disseram que iam entrar em contato com a prefeitura para propor uma solução. Quando voltaram, ofereceram vagas em abrigo. Não quero abrigo. Eu quero a chave da minha casa", disse hoje Eliezer Batista, 41.

Batista, que trabalha como auxiliar de serviços gerais na PUC-Rio, disse ter aderido ao grupo de ocupantes da Oi incentivados por amigos da favela de Manguinhos, onde aluga uma casa.
Ele conta ter gastado R$ 1.350 na compra de madeira para construir, na área, uma casa para ele e outra para a filha.

Outro integrante do grupo, Rodrigo Moreira, 34, afirma que vendia refeições em Manguinhos quando soube da ocupação do terreno da Oi.

Foi quando, diz, resolveu vender refeição para os sem-teto, até que aderiu ao movimento, quando um parente dividiu com ele metade de um terreno que havia conquistado no espaço.

Batista e Moreira dizem terem sido removidos do terreno da Oi e da prefeitura nas operações policiais realizadas nos últimos dias. Agora acampam na Catedral. Ambos negam o envolvimento de partidos políticos no movimento.

Hoje pela manhã, houve confusão por conta do café da manhã tradicionalmente oferecido pela Catedral à população de rua.

Funcionários da Arquidiocese que pediram para não ser identificados afirmaram que a refeição foi servida, mas que, na fila, moradores de rua teriam hostilizado os manifestantes por estarem disputando a comida com a qual eles contam todo fim de semana.

Já os manifestantes disseram que o café da manhã não foi servido e que eles decidiram repartir o alimento que tinham com os moradores de rua, que estavam irritados com a decisão da Catedral.

Para este domingo (20), além do café, é esperada a feijoada da Páscoa, servida todos os anos a moradores de rua.

Ao longo da tarde de hoje, os sem-teto receberam doações de alimentos e artigos de higiene de voluntários. Representantes da mídia alternativa registravam a movimentação dos manifestantes e das crianças.

Segundo relatos de voluntários e sem-teto, adeptos da tática black block estiveram lá nesta sexta-feira (18) e hoje, oferecendo apoio ao movimento. Eles negam que os mas não têm permanecido lá em tempo integral.

Em nota divulgada nesta sexta (18), a Arquidiocese do Rio havia afirmado que representantes ligados ao arcebispo se ofereceram para "mediar uma solução". Segundo a nota, os manifestantes chegaram a concordar em receber "atendimento provisório, em local do poder público, com apoio da igreja e serviços sociais".

No entanto, os sem-teto voltaram atrás na decisão, segundo a Arquidiocese. "Após ouvir assessorias, os necessitados retrocederam. A Arquidiocese do Rio lamenta que existam pessoas que ainda sofram em virtude da ausência de moradias e sejam manipuladas por outros interesses".


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