Folha de S. Paulo


Números em estudo ainda preocupam, diz presidente do Ipea após correção

O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcelo Neri, disse que o erro cometido na pesquisa sobre violência sexual contra mulheres não descredencia o órgão nem a própria pesquisa.

Em entrevista à Folha, Neri afirmou que a sondagem ainda expõe números preocupantes com relação ao machismo no Brasil.

"Os resultados mudam em grau, mas não no teor da pesquisa. O Ipea é vítima do sucesso da pesquisa. Os 65% não tinham sido nem destacados, mas chamaram a atenção, com razão", diz.

Ele cita um dado que permaneceu o mesmo: 58,5% concordaram que, se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros.

Para Neri, o número denuncia uma sociedade "problemática", mas "irrequieta". "A impressão é que as cicatrizes mudaram de lugar, mas continuam presentes", afirma.

O presidente do Ipea refuta que tenha havido qualquer falha de procedimento na elaboração da pesquisa.

Ele considera "corriqueiras as críticas contra as perguntas da pesquisa" -se, por exemplo, o termo "atacadas" e "estupradas" demandam interpretações distintas.

Ele disse que a amostragem, também questionada por especialistas, não precisa de ajustes.

"A amostra de uma pesquisa domiciliar tem seus problemas, mas é bem-feita. Se existissem mais mulheres, atenuaria o problema. Se existissem mais homens, denunciaria um problema ainda mais grave."

"Foi um erro. Erros acontecem. Tal como sai no jornal uma resposta a um dado errado, saiu do Ipea essa errata", finalizou Neri.

Após a divulgação da errata do Ipea, a organizadora do protesto online #Nãomereçoserestuprada, Nana Queiroz, 28, disse "estar feliz" com o erro no levantamento.

No entanto, ela pondera: segundo o novo dado do órgão do governo federal, um em cada quatro brasileiros ainda acredita que a roupa da mulher justifica ataques.

"A gente está celebrando o erro porque o cenário não é tão ruim quanto imaginávamos. Mas não quer dizer que os 26% sejam bons. Precisamos lutar para que seja zero."

Na semana passada, após a divulgação oficial do levantamento, a jornalista organizou um protesto virtual contra o machismo no país.

Milhares de mulheres publicaram no Facebook fotos sem roupa, da cintura para cima, com cartazes cobrindo os seios e frases como "Eu não mereço ser estuprada".

Minutos depois de publicar sua foto, Nana foi ameaçada de estupro e até de morte em posts na web. A presidente Dilma Rousseff se solidarizou com ela em sua conta pessoal no Twitter.

AMEAÇAS

Hoje, Nana visitou a sede da Polícia Federal em Brasília, onde mora. A instituição está tentando identificar os autores das ameaças.

"Não podemos usar esse erro para tentar minimizar a legitimidade da luta contra a violência à mulher", diz Juliana de Faria, 29, criadora da campanha "Chega de Fiu Fiu" e autora de um blog.

Para a secretária municipal de Políticas para as Mulheres de São Paulo, Denise Motta Dau, o erro da pesquisa é uma boa notícia.

"Que bom que o número é menor, mas isso não diminui o fato de que muitas mulheres são estupradas, espancadas e assassinadas", diz.


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