Folha de S. Paulo


'Ficha' só caiu após o pouso de emergência, diz piloto da Avianca

Chamado de herói por amigos e na internet, Eduardo Verly, 45, rejeita o título. Três dias atrás, ele pousou um Fokker-100 da Avianca, sem o trem de pouso dianteiro, em Brasília. Ninguém se feriu gravemente. Na Avianca desde 2007, ele atribuiu a aterrissagem bem-sucedida ao treinamento. Casado, pai de três filhas, diz que não viu família desde o voo sexta.

Apu Gomes/Folhapress
O comandante Eduardo Verly diz que não se considera herói (Foto:Apu Gomes/Folhapress)
O comandante Eduardo Verly diz que não se considera herói (Foto:Apu Gomes/Folhapress)

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Foi o primeiro pouso de emergência da minha vida. Era a segunda etapa de voo. Comecei em Brasília, fui a Petrolina e voltava a Brasília.

Com meia hora de voo, ouvi um "pim-pim" no painel: era um problema no sistema hidráulico que cuida do trem de pouso e do flap [dispositivo que, acionado, aumenta a sustentação das asas no pouso e ao decolar].

Mesmo com esse problema, eu consigo baixar o trem. Depois de falar com a empresa e com o controle de tráfego, disse aos passageiros que havíamos tido problema hidráulico e que o único inconveniente seria ter rebocar o avião após pousar.

Fiz uma volta para baixar o trem de pouso e o flap. O flap baixou, ok. O trem de pouso dianteiro, não.
Falei com o controle de tráfego que iria ter que fazer alguns procedimentos.

Chamei o chefe dos comissários e falei que avisaria os passageiros para não assustá-los. Falei a eles que não tinha indicação de que o trem estava baixado e travado.

CURVAS

Eu falei com os passageiros para que eles soubessem o que estava acontecendo. No momento em que o passageiro sai do desconhecimento, ele se acalma.

Disse que precisaríamos fazer curvas de grande inclinação [60 graus, mais que o dobro do normal], mas que eu os avisaria antes.

As curvas eram para o trem de pouso baixar por gravidade, mas não deu certo. Restou ir para a aterrissagem.

[Àquela altura havia uma sala de crise na Avianca montada para falar rapidamente com autoridades].

Avisei para os comissários ficarem no corredor da aeronave, para os passageiros saberem que havia um pessoal ali preparado e treinado para atendê-los, e fiz um novo aviso:

"Senhoras e senhores, não tenho indicação de que o trem de pouso está baixado e travado".

Pedi para seguirem a instrução dos comissários [tirar sapatos, objetos pontiagudos e se inclinar em posição de emergência]. "Há bombeiros e ambulância para nos ajudar após o pouso", afirmei.

POUSO

Aí veio o pouso. Retardei o toque do nariz do avião com o chão. Tinha controle total da aeronave. Segurei o manche para trás, para manter o nariz alto.

Pisei no freio com força, o nariz começou a descer. Foi parando, parando... e parou. Senti cheiro de queimado e olhei pela janela para ver se tinha fogo -não tinha.

Estava calmo. Não pensei no pior. Essa é uma manobra treinada. Fazemos simulador [de Fokker-100] duas vezes por ano, nos EUA. Fui em dezembro e treinei situações de emergência à exaustão. A gente treina para estar preparado quando for de verdade.

Foi o pouso mais "manteiga" [suave] da minha vida. Tudo muito rápido, já vieram os bombeiros com espuma.

Assim que paramos começou a evacuação. Minha primeira preocupação foi que o Jair [copiloto] reclamou de dor nas costas e pedi para que o socorressem. Ele está bem.

Só saí do avião quando todos haviam saído. Como comandante, a responsabilidade é minha.

Foi ligar meu celular que ele começou a tocar. Falei com a empresa, contei o que houve. Os bombeiros vieram dar parabéns.

Liguei para a minha mulher. Eu disse: "Olha, teve um acidente, mas está tudo bem". Na van para o hotel o engenheiro José [Efromovich, dono da Avianca] ligou para me parabenizar. O que fiz foi com ajuda de todos: da direção, dos tripulantes ali.

FICHA

Só no hotel é que a ficha caiu. Meu Deus do céu, foi punk. Fui tomar banho, comecei a sentir dor no ombro. Aí veio a lembrança e pensei: que proporção! Ouvi o áudio da minha conversa com o controle e não me reconheci.

Sou católico não praticante. Depois, conversei muito com Ele [Deus], para agradecer. Mas na hora, no avião, não pensei em nada.

Sei que as pessoas estão me achando herói, mas não me sinto um herói. Acho engraçado. Sou uma pessoa normal, treinada e que seguiu todos os procedimentos.

Minha filha mais velha, de 20 anos, ligou chorando pra mim dizendo que tinha escutado minha voz na tevê. "Pai, por que você não me ligou?" Não deu tempo, falei.

Tem umas 400 mensagens no meu Facebook e no celular. Não estou acostumado a esse assédio [risos]. Meu negócio é voar, não vejo a hora.

Só fiz o meu trabalho. Sabe aquele negócio de "missão dada é missão cumprida". Então, é isso.


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