Folha de S. Paulo


Procuradoria pede suspensão de repasse do Mais Médicos a Cuba

O procurador do Ministério Público do Trabalho Sebastião Caixeta ajuizou nesta quinta-feira (27) uma ação civil pública contra o governo federal pedindo isonomia na contratação de médicos brasileiros e estrangeiros para o programa Mais Médicos, principalmente em relação aos profissionais cubanos. Ele também pede a suspensão do repasse do pagamento da bolsa ao governo de Cuba, que efetua o pagamento aos médicos no Brasil.

Na ação, o procurador pede que os valores do programa sejam pagos diretamente aos médicos no Brasil, ou seja, que eles recebam os R$ 10 mil referentes ao valor integral da bolsa. Atualmente, o governo repassa o montante para a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) que faz a intermediação com Cuba. O governo cubano então, deposita para os médicos $ 1.245 por mês e retém o restante do dinheiro.

Na ação, o procurador pede que qualquer cláusula contratual que restrinja os direitos fundamentais dos médicos cubanos sejam cancelados, principalmente aqueles relativos à remuneração, à livre manifestação do pensamento, à liberdade de locomoção e de se casar ou relacionar-se amorosamente.

Além disso, o procurador pede também o pagamento de décimo terceiro salário, férias anuais com remuneração de, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, licença maternidade e licença-paternidade, e um meio ambiente de trabalho equilibrado, seguro e saudável. De acordo com Caixeta, todas as ações estão previstas na Constituição.

"[O MPT] reconhece a relevância e a finalidade nobre da necessidade de atenção à saúde, [...] mas isso não pode ser feito com o sacrifício de outros direitos também fundamentais previstos na Constituição e que nos parece que [estão] ofendidos no âmbito da esfera trabalhista", afirmou Caixeta, que defende a aplicação da legislação brasileira neste caso. "Eles são estrangeiros legalmente residentes no Brasil. A Constituição determina o tratamento igualitário", disse.

Para ele, a relação de trabalho é garantida constitucionalmente e no caso dos médicos cubanos há uma discriminação que não é aceita pelo ordenamento jurídico brasileiro. Caixeta criticou a intenção do governo de apresentar o programa como um curso de especialização médica. "Estamos convictos de que o curso foi um instrumento para mascarar essa relação de trabalho", afirmou.

"Há na verdade uma contratação de médicos para prover o sistema. Isso está claro até mesmo nas declarações de autoridades. O objetivo é contratar médicos", afirmou Caixeta.

O MPT tentou, inicialmente, aplicar um termo de ajuste de conduta junto ao governo, mas segundo Caixeta, as negociações não avançaram e foi preciso levar o caso à Justiça. O governo tem 72 horas para se manifestar e apresentar defesa. Caso a Justiça acate liminarmente os pedidos do MPT, o governo terá que suspender o repasse do pagamento ao governo cubano imediatamente.

A ação foi ajuizada e distribuída para 13ª Vara de Trabalho de Brasília. O valor estipulado para a ação é de R$ 1,5 bilhão equivalente a um ano da remuneração dos 13.325 médicos participantes do programa ativos a partir do quarto ciclo.

Por email, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, afirmou que o governo está convicto da segurança jurídica do programa e segue todas as regras legais para atuação de profissionais baseado na integração ensino e serviço, semelhante aos médicos que estão em programas de residência médica.

"Ou seja, um modelo em que o atendimento à população faz parte do processo de formação, de treinamento em serviço. Não há, pela legislação, nessa forma de atuação, qualquer formação de vínculo de trabalho ou relação de emprego", disse.

Questionado sobre o motivo dos médicos cubanos não receberem os mesmos valores dos médicos brasileiros inscritos no programa, Chioro afirmou que "os médicos cubanos permanecem como funcionários do governo de Cuba, mantendo os mesmos benefícios que têm no seu país de origem, como seus direitos sociais, além do salário e do vínculo de emprego".

Segundo Caixeta, as investigações demonstraram que há claro desvirtuamento na relação de trabalho, mas fez a ressalva de que a ação não pretende interromper o programa, mas sim, adequá-lo à finalidade que é a contratação de profissionais para atender ao sistema de saúde.

Em fevereiro, a médica cubana Ramona Rodriguez deixou o programa e pediu refúgio ao Brasil. Ela apresentou um contrato de trabalho firmado entre a Sociedade Mercantil Cubana Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos e a médica, indicando que não houve acerto direto entre o Ministério da Saúde e a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). Para o procurador, o documento foi um dos principais fatores que ajudaram nas investigações.

A ação do MPT pede ainda o cancelamento deste contrato e determina que os médicos sejam pagos diretamente pelo governo brasileiro. "Ele apresenta cláusulas incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro", disse.

O documento proíbe os médicos cubanos, dentre outras coisas, de saírem dos municípios onde moram e proíbem até mesmo que os profissionais se relacionem com outras pessoas que não forem cubanas.

Vitrine eleitoral da presidente Dilma Rousseff, o Mais Médicos tem o objetivo de aumentar a presença desses profissionais no interior do país, em postos de atenção básica, e para isso permite a atuação de médicos sem diploma revalidado em território nacional.


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