Folha de S. Paulo


Marginal Pinheiros vira pista de racha para carros de luxo

A 15 passos da bomba de gasolina, um BMW esportivo azul metálico chega de mansinho. "Cola" ao lado de um similar da marca alemã. O motorista encara o vizinho e faz o motor roncar. O barulho é a senha para os dois contornarem o posto e caírem na marginal Pinheiros, onde vão disputar um racha e tentarão ultrapassar os 200 km/h.

De olhos vidrados na pista da marginal, onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/h na pista expressa, a animada plateia ocupa a calçada do posto. São cerca de cem jovens, que entram em delírio com as ultrapassagens.

Alguns bebem, outros fumam narguilé e todos só falam, numa linguagem própria, sobre carrões "tunados", que tiveram suas características alteradas para obter desempenho ainda maior.

Parte desses veículos –Camaros, Audis, BMWs, entre outros importados com preços que podem superar R$ 200 mil– está estacionada no posto, espécie de "pit stop". Outros se espalham pelos arredores da rua Bento Frias.

"Isso aqui é tipo adrenalina pura", empolga-se um garoto de 21 anos, cabeça raspada, tatuagens pelo corpo, fazendo pose para as meninas ao lado de seu possante: um Audi, diz ele, "zero bala".

O burburinho começa a partir da meia-noite. Aos poucos, vai ganhando quorum, e o movimento se repete na marginal, onde os "megas" (carrões importados), na gíria dos aficionados, vão ser "colocados para brincar".

Nas últimas três semanas, a Folha acompanhou essas corridas ilegais –que, segundo relatos, são frequentes há ao menos seis meses, nas madrugadas de quinta e sexta.

Carrões importados de cidades vizinhas como São Bernardo do Campo, Barueri e Osasco, somam-se aos locais nas disputas que ameaçam motoristas e pedestres.

"Além de fãs de corrida, aqui vêm muitos profissionais da área automobilística movidos a adrenalina", diz um engenheiro mecânico, que trabalha para uma multinacional e pede anonimato.

Geralmente, essas corridas ilegais percorrem 1,7 km entre as pontes Eusébio Matoso e Cidade Jardim, sentido zona sul de São Paulo. Dali, alguns carros se dispersam. Outros motoristas retornam ao posto de gasolina à espera de uma nova "bandeirada".

Editoria de Arte/Folhapress

CORRIDA RELÂMPAGO

Rachas de carros e motos são um fenômeno registrado em diferentes vias paulistanas. Na zona norte, por exemplo, a avenida Dumont Villares é palco deles, assim como a avenida Roberto Marinho, na zona sul, e a Jacu Pêssego, na zona leste da cidade.

Nesses casos, contudo, os rachas costumam ser espontâneos ou "relâmpagos", como são chamados, sem data e horário certos. Costumam ser agendados por celulares momentos antes da disputa.

Além disso, na marginal Pinheiros, motos e carrões importados são os protagonistas do "racha ostentação".

"É inacreditável que isso aconteça numa marginal", critica Sergio Ejzenberg, 61, engenheiro e mestre em transportes pela USP.

"Precisa ser coibido pelo uso de câmeras, que podem identificar as placas e com isso chegar ao indivíduo. É urgente apertar o cerco e acabar com a farra."

Na pista dos rachas, radar mesmo só aparece a 7.700 metros da ponte Eusébio Matoso, perto da do Morumbi.

Com 22,5 km de extensão, a marginal Pinheiros é uma das vias mais perigosas da cidade. De acordo com a CET, ela é fiscalizada por agentes e oito radares.

A passagem de um carro da PM dispersa torcida. Do outro lado da marginal, no topo de um prédio, o relógio digital registra 3h47. Ao menos naquela madrugada de sexta, a festa havia chegado ao fim.


Endereço da página:

Links no texto: