Folha de S. Paulo


'Se eu não for morar, ninguém vai', diz mulher em reintegração

O ruído de vidros, louças sanitárias e portas sendo destruídos tomou conta do condomínio Caraguatatuba quando PM e moradores deram uma trégua na troca de pedras e bombas.

Nos corredores dos prédios, a reportagem encontrou moradores, entre eles muitas crianças e idosos, carregando sofás, geladeiras e aparelhos de TV. Muitos dos que esvaziavam seus apartamentos passaram a depredar o que deixavam para trás.

"Mas para que isso?", questionou uma mulher. "Se eu não for morar aqui, ninguém mais vai", respondeu outra invasora.

Extintores de incêndio viraram instrumentos de destruição. Com estrondo, eram lançados contra paredes, portas e janelas. Cacos de vidro forravam os corredores.

Um grupo de homens com o rosto coberto por camisetas andava com barras de ferro nas mãos destruindo encanamentos e a iluminação da área comum, além das poucas janelas ainda inteiras.

Três ou quatro apartamentos foram incendiados pelos seus antigos ocupantes.

A ação foi imitada por outros invasores e logo dezenas de imóveis eram tomados pelas labaredas.

A reportagem presenciou ao menos uma explosão dentro de um apartamento. "É o botijão de gás", gritavam.

"É o desespero do povo. A gente achou que poderia ficar aqui, que conseguiríamos negociar", dizia o motorista Ricardo de Castro, 30.

"Eu sabia que o apartamento não era meu, que não era regularizado. Mas, mesmo assim, paguei R$ 4.800 pelas chaves, pois achei que conseguiríamos negociar com o governo", afirmou.

O rumor -não confirmado- de mortes de crianças durante a reintegração de posse causava ainda mais tensão entre os moradores.

Editoria de Arte/Folhapress

DISPERSÃO

No meio da tarde, a tropa de choque da PM entrou nos prédios e dispersou moradores que retiravam seus móveis por uma rua lateral. Pela segunda vez no dia, foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo.

A destruição dos apartamentos se arrastou por, pelo menos, cinco horas, enquanto a fumaça preta tomava as ruas da região.
Um dos moradores, Rogério, carregava um colchão de casal em meio a barricadas de móveis em chamas. Acompanhado da mulher, ele levou o colchão até seu carro. "Aqui é que vai ser a casa da minha família daqui para a frente."

"Me diz onde eu posso ir morar se um aluguel aqui é R$ 500 por mês e o dono do imóvel exige o pagamento de três meses adiantados."

Outro temor de Rogério é a súbita inflação imobiliária na região após a ação da polícia. "Amanhã, o aluguel já vai subir para R$ 800. É de lei."

Já o medo de Cintia, 29, mãe de cinco filhos, era que as faltas da filha mais nova, que tem má formação da coluna, nas sessões de fisioterapia da AACD a fizessem perder a vaga na instituição.

"Eu tenho outros quatro filhos e não posso deixá-los em casa sendo que ela está prestes a ser tomada. Com essa confusão, ela faltou na terça, na quarta e hoje."

Maria Ivonete dos Santos, 45, disse que a filha, que respira com o auxílio de um tubo de oxigênio, teve que ser retirada às pressas de casa quando a PM começou a lançar bombas de gás.


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