Folha de S. Paulo


Morte gera debate inflamado sobre punição a violência em atos

A morte do cinegrafista da TV Band Santiago Andrade alimentou um debate apaixonado sobre o maior rigor na punição a manifestantes, com polêmica de sobra entre autoridades e analistas e redes sociais em chamas.

Os secretários de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, e de São Paulo, Fernando Grella, defendem a tipificação de novos crimes no Código Penal e o aumento das penas existentes.

Já o Congresso discute até projeto que pode enquadrar manifestantes numa rigorosa lei antiterrorismo, com penas de até 40 anos de prisão.

Grella defende mais que dobrar a pena para lesão corporal -de 5 para 12 anos de prisão nos casos graves-, além de aumentar em um terço as penas por agressão e assassinato de policiais.

Já Beltrame, que esteve ontem com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sugere, entre outras medidas, proibir o uso de máscaras e determinar o agendamento de manifestações com 48 horas de antecedência.

Ele quer tipificar o crime de desordem para quem agredir ou danificar patrimônio.

Editoria de Arte/Folhapress

As iniciativas dividem especialistas de todos os espectros ouvidos pela Folha.

A maioria pede punição rigorosa a atos violentos, mas é contra a ideia de criar novas leis a reboque dos crimes ocorridos em protestos.

"Temos leis que podem penalizar quem cometer atrocidades como esse caso do jornalista atingido por aquele rojão. É um homicídio", afirma o desembargador Antonio Carlos Malheiros.

O jurista Luiz Flávio Gomes diz que leis oportunistas foram criadas em momentos de comoção, como a de crimes hediondos após o sequestro do empresário Abílio Diniz, em 1990. Em sua visão, elas não foram capazes de reduzir o números de crimes.

"No Brasil, se imagina que tudo precisa de uma lei nova. De 1940 a 2013, foram 150 novas leis penais", diz ele.

Para Gomes, a polícia já tem mecanismos para prender os manifestantes por condutas como lesão corporal, dano homicídio e até pela lei de organização criminosa.

Para o promotor criminal Francisco Cembranelli, porém, há fatos que justificam a discussão de uma nova lei.

"Os mascarados vêm aparecendo e provocando atos de desordem. Acredito que o próprio fato de esconder a identidade mostra que o proposito não é tão nobre."

Para o sociólogo Demétrio Magnoli, a proibição do uso de máscaras e o indiciamento manifestantes que carregam armas e bombas é "urgente e necessário".

Para ele, o uso de máscara é um comportamento "tendente à delinquência". Magnoli diz ser a favor das prisões para averiguação de manifestantes mascarados.

"A polícia tem direito de prender alguém por conta de comportamento suspeito."

TERRORISMO

Vladimir Safatle, professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, afirma que a criação de leis como a que pode enquadrar manifestantes por crime de terrorismo é um mecanismo para barrar protestos contra governos.

"Acho que faz parte da covardia moral da polícia brasileira tentar sempre lidar com manifestações fazendo apelos a leis de criminalização, seja tipificação de manifestantes por terroristas, seja lei específicas contra manifestação", diz ele.

Safatle afirma, porém, que a conduta que levou à morte do cinegrafista da Band é "absolutamente inaceitável".

O ex-presidente do STF, Carlos Velloso, defende a aplicação da lei antiterror a protestos. "Um ato como esse que praticaram essas pessoas que acabaram ocasionando a morte do cinegrafista pode ser tipificado como ato terrorista", afirma.

A pesquisadora Esther Solano, da Unifesp (Universidade Federal Paulista), que estuda a atuação dos "black blocs" desde agosto, diz que a violência do grupo aumentou tanto quanto a da polícia nas manifestações.

Ela afirma que, nas conversas recentes que mantém com adeptos da tática, não notou uma mudança de postura.

"Eu esperava [com a morte de Santiago] mais autocrítica deles em relação a táticas e estratégia", diz.

Segundo ela, os "black blocs" são hoje um grupo mais heterogêneo. "Pessoas com mais formação política estão ao lado de meninos de 14, 15 anos, talvez movidos pela adrenalina, animados pela raiva que têm da PM."

Colaborou MARIANA HAUBERT, de Brasília


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