Folha de S. Paulo


Desertor do Mais Médicos deu pista de fuga para os Estados Unidos

Antes de fugir de Pariquera-Açu (SP) para os Estados Unidos no final do mês passado, o médico cubano Ortelio Jaime Guerra deixou escapar duas pistas sobre o seu plano de abandonar o programa Mais Médicos e o Brasil.

Os colegas da unidade de saúde nem desconfiavam das intenções, mas ele repetia que tinha amigos médicos em solo americano e que nos EUA o teste para a revalidação do diploma estrangeiro (aqui chamado de Revalida) era mais fácil do que no Brasil.

Guerra deixou o município, a 214 km a sudoeste de São Paulo, em 26 de janeiro.

Juliana Coissi/Folhapress
Zilma Santos, 53, mostra receita do cubano Ortelio Guerra
Zilma Santos, 53, mostra receita do cubano Ortelio Guerra

Antes disso, em pouco mais de duas semanas, realizou 172 atendimentos de idosos, crianças, gestantes e pessoas com doenças como diabetes e hipertensão.

Desde a saída dele, porém, a unidade de saúde da Vila Peri Peri segue sem médico fixo. As pessoas da localidade precisam percorrer cerca de 3 km até uma outra unidade de atendimento local.

É o caso da dona de casa Jacira Rosa, 35, que levou seu bebê ao posto de saúde.

"É longe, andar nesse sol que está agora", declarou.

Desde a saída do cubano, as agentes de saúde já perderam a conta de quantas vezes ouviram a pergunta: "O médico foi embora? Que pena!".

Até março, quando deve chegar um substituto, a unidade ficará sem médico.

O desfalque não é inédito. Antes de Guerra, havia médico só três vezes na semana.

Em Peri Peri, a fuga do cubano motivou todo tipo de palpite. "Não simpatizou com Pariquera?" e "Achou que não daria conta?" são as questões mais ouvidas.

De fato a chegada do cubano evidenciou a demanda local. O ritmo intenso de trabalho do nefrologista levou a equipe da unidade a fazer hora extra na primeira semana.

"Normalmente começamos às 7h e terminamos às 16h30. Mas naquela semana [de estreia] esperamos ele [Guerra] até 17h, 17h30, porque ainda havia paciente na sala", conta a enfermeira Iris Marceli Cecília Franco, 37.

Sobre o motivo da fuga, a paciente Zilma Santana Galvão dos Santos, 53, arrisca outro palpite: "Acho que não aguentou o clima em Pariquera. Está muito quente, não?".

Ao contrário da maioria dos moradores entrevistados, que rasgam elogios ao cubano, a aposentada reclamou da dificuldade com o idioma.

"Eu não entendi nada que ele falou. Acho que ele também não entendeu", disse.

Já Nelza Aparecida da Silva, 55, diz que Guerra foi "um dos melhores médicos que Peri Peri já teve. Ele fez muitas perguntas". A consulta dela durou 40 minutos.

A FUGA

Guerra e outros dois médicos cubanos que seguem na cidade chegaram a Pariquera-Açu em dezembro e, numa demonstração de boas-vindas, logo foram convidados a passar o Natal na casa da família da funcionária pública Erika Sumooyama, 35.

A fuga ocorreu no fim de semana em que Erika convidou os cubanos a ir para a praia com ela e o marido.

Guerra recusou o convite alegando que precisava arrumar a nova casa, alugada e mobiliada pela prefeitura.

Segundo Érika, a médica cubana foi quem a avisou do sumiço. "No domingo, a doutora ligou desesperada, dizendo que as roupas dele não estavam lá na casa e que o Ortelio [Guerra] tinha fugido."


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