Folha de S. Paulo


'Batman' dos protestos do Rio confessa ter síndrome de super-herói

Passe livre, greve de professores, gastos com a Copa do Mundo. Não importa a causa: se é dia de manifestação no Rio, a presença dele é tão garantida quanto os coros contra o governador Sérgio Cabral (PMDB).

Desde junho de 2013, o protético Eron Morais de Melo, 32, sai de casa fantasiado de Batman para participar dos protestos. Ficou amigo dos "black blocs", escalou os Arcos da Lapa, foi preso e colecionou fotos nos jornais.

"No dia do primeiro protesto, eu pensei: 'Quero ir, mas quero fazer algo diferente'. Não queria ser mais um na multidão", conta o homem-morcego carioca.

A inspiração para o figurino veio de uma montagem no Facebook na qual o prefeito Eduardo Paes (PMDB), responsável pelo aumento das passagens de ônibus, era retratado como o Coringa.

"Se o Eduardo Paes é o Coringa, amigo, eu sou o Batman!", decretou Melo. "Mas não é só uma fantasia bonita. Tem que ter conteúdo."
celebridade

Depois de sete meses nos protestos de rua, ele virou celebridade na semana passada, graças à internet. Foi filmado discutindo com moradores do Leblon, após um "rolezinho" frustrado no shopping do bairro.

O vídeo já foi assistido mais de 500 mil vezes na internet.

"O Batman acabou se tornando uma pessoa pública", diz Melo, falando do personagem na terceira pessoa.

"Eu encaro isso como uma missão. O Brasil precisa de um herói. O Batman não vai salvar a nação sozinho, mas tem o papel de chamar as pessoas para lutarem pelos seus direitos", discursa.

O Bruce Wayne carioca vive numa casa simples no subúrbio de Marechal Hermes, a quase 30 quilômetros da praia e do bairro com o metro quadrado mais caro do país.

No vídeo que o tornou famoso, o cineasta Dodô Brandão, morador do Leblon e diretor do esquecido "Dedé Mamata" (1988), o acusa de exaltar um símbolo do capitalismo americano.

"É um discurso de nacionalismo hipócrita", reage o protético. "Ele toma Coca-Cola, usa calça jeans? Nada disso é nacional. Se o herói dele for o Saci-Pererê, se ele só tomar caldo de cana, aí pode conversar comigo", desafia.

Orgulhoso, o dublê de super-herói conta que venceu torneios de "cosplay", em que jovens se fantasiam de personagens dos quadrinhos, e confeccionou a própria fantasia, à exceção da máscara.

SEM BATMÓVEL

Melo já sai de casa a caráter, para a alegria da criançada que joga bola em frente à batcaverna. Sem batmóvel, ele vai para os protestos de trem. Até a Central do Brasil, de onde vai a pé para as manifestações no centro, são 18 estações. A reação dos passageiros é mais amigável que a dos policiais.

"Já tomei muita bomba de gás lacrimogêneo. Na passeata dos professores, na Cinelândia, tossi tanto que perdi o rumo. Alguém viu que estava passando mal e me tirou do tumulto", lembra.

Uma cena parecida se deu na terça-feira passada, quando a Folha acompanhou Melo de sua casa até um ato no centro do Rio.

Ele marchava na avenida Presidente Vargas quando foi detido por usar máscara, desafiando a lei estadual que proíbe o uso do adereço. Já estava no camburão quando os gritos de "Solta o Batman!" e o assédio da imprensa convenceram a PM a liberá-lo.

"Viva a liberdade e a democracia!", ele saiu berrando, com o punho erguido e a presença garantida nos jornais cariocas do dia seguinte.

Mais tarde, o protético subiria nas roletas da Central e seria recompensado com o assédio de uma ativista fantasiada de Mulher Gato.

Em casa, ele conta, a reação é um pouco diferente. "Minha mulher fica brava, diz que sou marido e filho ao mesmo tempo. Mas não tem jeito: quando vejo uma injustiça, não consigo ficar parado. Ela sabe que tenho síndrome de super-herói."

Melo diz que foi convidado a se filiar a um partido de esquerda, mas recusou.

"O lugar do Batman não é com os políticos, é na rua com o povo", afirma, do alto de seu bat-palanque imaginário. "Se eu luto contra o sistema, não posso entrar nele!"


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