Folha de S. Paulo


Ato de força, decapitação remonta à Bíblia

Demonstração de força ou um recado para os inimigos.

Decapitações, como as registradas no Maranhão, são associadas a diversos significados, em diferentes épocas, lugares e sociedades.

Decapitações em Pedrinhas deixam legião de órfãos

"A cabeça simboliza a atividade pensante. Inconscientemente, [decapitar] é um recado para a facção rival: 'Queremos acabar com sua articulação'", diz Sergio Kodato, professor de psicologia social da USP de Ribeirão Preto.

Imagens de três presos sendo decapitados por outros detentos, reveladas pela Folha na terça, chocaram o país. Superlotado e em condições precárias, o presídio de Pedrinhas abriga dois grupos inimigos.

"Eles [presos] filmaram, deram visibilidade. Foi uma denúncia do processo de animalização em que se encontram", afirma Kodato.

Da Antiguidade à Idade Contemporânea, a história é repleta de decapitações. Nem mesmo a história do cristianismo escapa. No Evangelho, João Batista é decapitado em contexto de briga familiar.

"Mas eruditos veem motivação política, pois ele era admirado pelo povo e poderia, em tese, liderar rebeldes contra Herodes", diz o doutor em ciências da religião Carlos Jeremias Klein.

"Decapitar tem sentido de subjugar, humilhar, e, em caso de guerra, fazer adversários se renderem", diz Klein.

No século 12, o conquistador Gêngis Khan (1162-1227) usava a decapitação para intimidar o povo das cidades que iria tomar, lembra o professor de história da Universidade Federal do Rio Grande do Sul José Rivair Macedo.

"Até o fim do Antigo Regime [no século 18], para crimes políticos graves, como rebelião ou alta traição, havia a decapitação", diz. Para crimes comuns, enforcamento.

Depois veio a guilhotina. Criada na França em 1792, em meio à Revolução Francesa, sua função era tornar a pena capital, aplicada pelo Estado, "igualitária e humanizada".

Era mais eficaz que a forca, afirma Josemar de Oliveira, da Universidade Federal do Espírito Santo.

Embora estivesse em desuso, a guilhotina só foi abolida da França em 1981.

CANGAÇO

No Brasil, a decapitação remonta às "ordenações", tipo de código penal de Portugal na época do Brasil colonial, diz o historiador Frederico Pernambucano de Mello.

"É uma tradição brasileira de cunho jurídico, que os criminosos [hoje] frequentemente reeditam inspirados nessa realidade ancestral."

Estudioso do cangaço, Mello conta que Lampião, morto em combate em 1938, teve a cabeça cortada e exposta em Alagoas. Uma foto célebre foi tirada de sua cabeça ao lado do chapéu de cangaceiro.

Algo similar teria ocorrido com Zumbi dos Palmares, morto em 1695, para atemorizar os negros insurgentes.

Mais recentemente, decapitar virou "marca" da facção paulista PCC nos anos 1990 e 2000, diz Camila Dias, pesquisadora do assunto.

Cabeças cortadas viravam "troféus" na cadeia. Uma vez conquistada a hegemonia dentro das prisões do Estado, o PCC baniu a decapitação.

Outro grupo, inimigo do PCC, surgiu em São Paulo com a promessa de atualizar a prática: é o Cerol Fino, que até novembro havia matado sete presos. "Dentro do sistema, eles só aprendem uma coisa: quem não for violento está ralado", diz Maurício Kuehne, que acompanha o assunto há 30 anos.


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