Folha de S. Paulo


Imigrante japonês mora há 13 anos em casebre na floresta amazônica

O passo ligeiro de um japonês de galochas cortando a mata é o único movimento que se nota ao chegar a Airão Velho, localidade em ruínas na floresta amazônica.

Shigeru Nakayama, 65, é o guardião solitário do povoado que nasceu como Santo Elias do Jaú, primeiro vilarejo fundado às margens do rio Negro, em 1694, no Amazonas, e rebatizado de Airão, por Portugal, décadas depois.

A pequena cidade foi um importante ponto comercial na bacia amazônica durante o ciclo da borracha, no final do século 19 e começo do 20.

Hoje, entregue ao tempo e ao descaso, a área sobrevive graças aos cuidados do imigrante japonês, que vive em um casebre há 13 anos.

Airão Velho pertence ao município de Novo Airão (a 120 km de Manaus) e está dentro de uma área estadual de conservação.

É Nakayama quem recebe os turistas -a maioria estrangeiros-, além de pesquisadores em busca das poucas ruínas que restaram e das lendas repetidas há décadas.

Ele vive da pesca e da horta que cultiva e diz que nunca recebeu ajuda do poder público na conservação.

"Não quero abandonar isso aqui, tenho paixão por esse lugar", disse.

JAPÃO-BELÉM

De família de camponeses, Nakayama desembarcou aos 16 anos em Belém com os pais e três irmãos, vindo de Fukuoaka, em 1964, no final de uma onda imigratória.

Parou em Manaus nos anos 70 e, com um amigo, instalou-se às margens do rio Negro. Quando o lugar virou o parque do Jaú, ele partiu.

Após novas andanças, foi convidado por uma ex-moradora de Airão Velho, da família Bezerra, que dominara comercialmente a última fase próspera da cidade, para vigiar as ruínas históricas.

Além de limpar a área, passou a recolher objetos históricos em um pequeno museu particular, como garrafas da Holanda e telhas portuguesas, resquícios do auge da borracha. Fez uma maquete do lugar e todos os anos limpa o cemitério para Finados.

O tempo passou, mas a fidelidade de Nakayama aos Bezerra se mantém intacta. "Ela [Glória Bezerra] nasceu e morou aqui. Quando falava em ir embora, ela não deixava. 'Se você sair, isso vai morrer', dizia. E ela estava certa."

A antiga patroa morreu no ano passado, mas ele continua exibindo nas paredes dezenas de fotos dos Bezerra. "Isso aqui é conhecido internacionalmente. Não restou quase nada, mas tem muita história", diz o senhor, que se encontra com moradores de comunidades vizinhas, além de usar o rádio e a TV para rebater a solidão.

FORMIGA

Estrangeiros que chegam a Airão Velho logo perguntam sobre as chamadas formigas de fogo, diz ele. "É terrível, queima mesmo. Foi por isso que a população saiu daqui."

Airão ficou velho na década de 1960. Antes, havia sido elevado a município, mas a falta de novas fontes econômicas levou os últimos moradores para 100 km de lá, onde surgiu o atual Novo Airão.

Poucas ruínas sobrevivem: a casa de comércio, a câmara que virou escola, uma residência, o cemitério, pedras amontoadas da igreja de 1702. Tudo invadido pela mata e pelos bichos.

Segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o pedido de tombamento de Airão Velho está em análise.


Endereço da página:

Links no texto: